...Você só sente a minha falta por que eu também sinto a sua. A gente vive em compaixão pelo passado. Às vezes acho que você chora de barriga cheia. Não conseguiria compreender sua dor, mas quando me lembro da minha história e alcanço meu ponto melancólico mais alto vejo a necessidade de te respeitar, ou, de no mínimo, respeitar suas palavras. A vida é dura sim e tudo pode acontecer a qualquer hora. É como você talvez já esteja cansada de me ouvir dizer, “doce veneno”. Só não vejo nexo entre a realidade e seu interesse por me ver um cara intimamente familiar. Mas mesmo assim há uma ligação em comum que jamais eu poderia negar - o que queremos, a única coisa que queremos, é ser feliz. Essa é a palavra. Esse é o propósito. Nada a ver com riqueza ou luxo, simplesmente com dignidade. Esse é o carma. Já me encontrei por várias vezes em conflito comigo mesmo, na vontade estrondosa de jogar tudo para o ar, e ser ingrato, a ponto de apagar o que aprendi. Esse é o erro. Eu odeio tanto meu pai que eu nem sei por quê. Você gosta tanto do seu pai que nem sabe por quê. Porém, o importante é alcançar a felicidade, e a gente só não consegue por que prestamos atenção em tudo mesmo no propósito: você na falta de alguém e eu na vontade de me ver livre de alguém; como se isso trouxesse a efetiva felicidade. Meu pai me fala que pobre luta por coisa inútil e depois joga a culpa do fracasso na dificuldade. Faz sentido, veja eu, que vivo lutando pela oportunidade de sair de casa, e sempre no travesseiro da derrota desisto pela complicação da luta. Meu desanimo se justifica por algo fútil, uma vez que se eu desempenhasse todo meu trabalho em, por exemplo, estudar melhor, trabalhar mais, a caminhada poderia ser mais objetivo ou quem sabe mais fácil. Afinal, destino ou não, fazendo certo ou errado, sempre estaremos aqui, presos no tempo e na vida. E o êxito só existirá na diferença que fizermos com nossos esforços. Por falar em tempo, como ele tem te tratando? Estou de castigo por ele, preso em um lugar que não evolui. Pode ser que a evolução faça parte de uma percepção errada que minha ideia gananciosa cria. De qualquer forma tudo permanece como estava. Bom, quando você fala de saúde, inclusive da sua saúde, nada me vem na cabaça senão te procurar, mas convenhamos que não está valendo mais nada resgatar o passado, principalmente se ele é misterioso, burocrático e cheio de desejo como é. Você tem cara de fome, de muita fome por uma vida que infelizmente ainda não deteve recursos para adquiri-la. Falo de felicidade, seja com quem for, seja onde for e como for. Falo é de justiça, que a seu ver o mundo não entende. Você tem sim compaixão pelo passado, por não ter feito o que queria fazer ou ter feito o que fez, mas de forma mais proveitosa e duradoura. Se sente culpada. Com inveja do que deixou de ser, ou do que não foi. Se eu estiver errado não importa, nada faz diferença e o que faz é questão de ponto de vista. Até mesmo a felicidade, tão relativa! Doce veneno que tomamos todos os dias e que nos mata gole a gole. Mas e daí, é doce. Negligenciar a vida, se estar comigo te faz bem, se viajar te faz bem, amigos, família e sua casa, busque isso então, mas com objetividade, não com espírito de gente preguiçosa e sem cultura. Se morrer morra com uma justificativa ou se quiser fazer melhor, morra como uma heroína. Não queira acreditar que as moiras da pobreza tecem o fio da nossa vida, prefira se valer pelo meu propósito. É sempre de lei que eu nessas ocasiões proponha um encontro descompromissado. Mas acho que no momento é melhor deixar tudo como está. Até por que ele pode acontecer a qualquer hora. Agora eu não sei se faz parte da sua ou da minha escolha, mas isso não importa. As decisões que tomamos na vida só têm valor quando forem tomadas para atingir nosso propósito. Se eu escolhi ter te seduzido naquela estação e ter te iludido, foi mais um ato de genuíno desespero por não conseguir um efetivo progresso nas escolhas tomadas. A maioria das coisas que a gente faz é por desespero, por fome, por dor. A vida vive a nos dominar, bem na nossa frente e gente olha e não faz nada. Tudo por causa da ansiedade, do azar, do medo. Mas como sofrer dá a impressão de que tudo tem sentido, a gente se contenta, se acomoda. Aceita a carniça e da gloria a deus. Olha para o presente e diz: está vendo, não estudei. Mas não é bem por ai. A gente pode, porque qualquer um pode. Nada tem absoluto sentido, tudo é relativo, principalmente a sorte e o azar. Infelizmente consolar é concordar, a gente se consola, a gente se concorda e quase sempre igualamos, com tristeza, nossas opiniões. Sabemos que temos razão no que falamos, por isso brigamos e buscamos prazerosamente convencer. Nem um de nós dois saímos da vista do outro sem a convicção da desistência de opinião oposta. Eu sempre fui para casa contente por ter te convencido e feliz por você ter me mudado, um pouco que fosse. É muita humildade, tanto que transborda pelos nossos olhos o reconhecimento. E ai sabe o que acontece, o que sempre acontece, ficamos exigentes. Extremamente exigentes. Um querendo mais do que foi, outro querendo a causa mais que o feito. Eu vivo sonhando em um dia sair e poder te chamar, sempre tive a certeza de que você é a melhor pessoa do mundo como companhia e não sei por quê. Esse é o meu sonho, fora isso, é extrapolar para a burrice e sofrer na ignorância. Não gosto de falar técnico assim, mas é o jeito que sei. Mesmo que uma escolha caracterize um propósito, o nosso propósito maior não pode ser definido pela junção de todas as nossas escolhas. A decisão de ti beijar não foi uma escolha em prol daquele propósito e sim um apelo da emoção por nada dar certo. É confuso de explicar, mas a valorização que hoje devemos dar são para as coisas que nos serviram para atingir nossos objetivos maiores. Valorizar o que fizemos é valorizar tudo menos o que realmente importa, é gastar energia com algo que podemos ter sem gastar nada, exigindo, para tanto, apenas um pouco de razão. É querer pagar entrada em exposição gratuita. Comer sem fome, mas por tentação de vontade. Desnecessário. Desculpa se ainda continuar confuso, falta-me compreensão ou sei lá, simplicidade. Mas estou em paz e por isso não quero guerra com ninguém. Conheço você de outros carnavais, já vi suas várias reações em diversas situações, veja bem, não falo de todas, falo de várias, sei o quanto é barraqueira e raramente tem consciência disso. Porém, você tem sorte, uma vez que até as melodias nos mostram que é impossível encontrar o amor sem perder a razão. Mesmo assim, está ai uma coisa que posso afirmar quanto a você, é limitada à emoção. Apesar de a princípio ter sido difícil acreditar, hoje não se dá mais para mascarar a verdade sobre sua fragilidade. Mero defeito, que às vezes um bom filme, ou livro, resolva - dependendo também da sua capacidade de se adaptar. Sempre quando falo de ser racional sou julgado por achar que quando somos mecânicos, somos melhores. Ignorância. Não me refiro a máquina sem sentimento, mas sim de raciocínio com emoção. De que vale optar por não ser um robô feliz para ser uma árvore triste, nada! Aprendi observando outras pessoas, as que são capazes de mostrar a maneira lógica de agir sem perder a ternura. Comportamento que enquanto é vulgar, ao mesmo tempo é inteligente. Superficial é minha observação talvez. Importante é que dê resultado. Importante é que eu esteja errado para que haja oportunidade de você estar certa, ou contrário, mas nunca igual, senão seria o fim. A gente não se combina e o fato de pensarmos um pouquinho antes de partir para o arrebento não muda a situação de sermos diferentes. O fato de sermos diferentes, entretanto, não implica, necessariamente, na possibilidade de estarmos juntos. O "problema" é o modo como cada um exteriorizou o outro - como a gente sabe, a alegria é profunda, mas a tristeza é superficial, e de acordo como sentimos um ao outro, esse entendimento pode ser a "causa". E sem uma solução, a falta de equilíbrio atrapalha nossa relação, principalmente quando o interesse exclusivamente afetivo é o foco. Puro desprazer. Mistério, burocracia e desejo. Elementos capazes de acabar com um dia, um ano ou uma vida inteira, além de serem reflexo daquele desespero que nos rebaixa diante de nós mesmos e dos outros. Se respirar fundo e erguer os pés verá a luz no horizonte e nesse passe de mágica "tudo" pode, mesmo que por pouco tempo mas suficiente para nos despertar para a oportunidade, se transformar em motivação. Porque embora "doloroso", é abstrato, e melhor ainda, "não é impossível". Apesar de nosso propósito maior ser o mesmo, é relativo de mais. Ainda faltam alguns anos para aprendermos a acreditar um no outro, ou eu em você. A nossa amizade é completamente castigada, como uma presidiária condenada por roubo de alimento, com suas roupas sujas e rasgadas pelo sofrimento, suas mãos calejadas e seu rosto cortado com as crueldades. Mulher cheia de sabedoria, porém cheia de magoa. Corre todas as noites possíveis na encantada ambição de pular o muro e voltar a viver livremente. Sinto muito por fazer você ler tudo isso, as coisas poderiam ser mais simples, a nossa comunicação sempre foi maçante mesmo. Infelizmente não há nem indícios de tudo ficar mais prático simplesmente por tudo ser relativo. A minha vontade não é a mesma que a sua e tão pouco a sua quanto a minha, e mesmo que a união faça a força, eu me acostumei com o sofrimento das grades, enquanto você não se adaptou com a ausência de liberdade. Aqui, prefiro ser robô, você, uma árvore. É esse tipo de escolha que deve ser respeitada.
Um super beijo.
Guilherme, São Paulo, dia 05 de dezembro de 2012