Tratei de reparar dentro do espaço daqueles ligeiros segundos as cintilantes expressões do seu rosto. As enigmáticas feições que lhe davam por parte de mim o benefício da dúvida. Sobre sua mocidade. Sobre sua simplicidade. Afinal quem é você. Quem você foi. O que você viveu. E será que tudo foi o bastante. Será que algo de lá para cá a transformou em alguém melhor. Ou você melhor foi quando hoje não é mais. Está mais bela. Ou será que foi tanto quanto.
Como acreditar no que vejo apenas por que o que vejo me encanta. Deixa-me sem fala. Fazendo-me pensar no inevitável. Na degradação fatal e desautorizada. Na sua decepção de se ver e não se reconhecer. Confiante de que o tempo tarda. De que ainda há muito que aproveitar. Pois ainda é tempo de se divertir. É tempo de viajar, inclusive ao passado. Pensando no que deixou de fazer e se ainda há oportunidade.
Mas vamos então. Quantas vezes já não fez as unhas. Quantas vezes já não se desapontou. Já não chorou de raiva. Viu o dia em que nasceu como um dia arrepiante e cheio de verdades das quais você recusa aceitar. Porque embora você ainda ache estar bela, não significa que esteja jovem. Que é o que mata. O que silencia. Fazendo-te elaborar uma estratégia. Arquitetar um plano. Que não te ajudará por toda a vida, mas você sabe que ao menos disfarçará as impressões.
Você precisa de alivio para o sufoco intenso que seu reflexo te dá, colocando-a entre o adolescente passado e encanecido futuro. Entre a alegria que não sabia e o sentimento que também não saberá. Você poderá até achar injusto, pois eu também achei. Quando refleti nos detalhes da sua face. No amarelado dos seus dentes. Nas linhas envoltas a sua boca. Na flacidez do seu corpo. Naquilo que te consome. Que te faz tornar o que não quer.
Mas acho que você é tão bela que nem o tempo poderá mudar, até porque a nossa percepção, assim como nosso rosto, por conta do tempo também muda.