5 de fevereiro de 2015

        Ontem, ao voltar da academia, um senhor passou por mim. Tinha um defeito físico, não enxergava de um olho, mas andava em cima de uma bicicleta. Eu o vi diretamente pelo lado em que ele não pode retribuir o contato. Desviou-se de mim como um miserável feliz e no segundo poste disse: olá! Era para duas moradoras de rua, provavelmente suas amigas. Resmungaram da falta de água no córrego que costumavam se banhar. Sua amiga, sentada ao seu lado, indagou até quando continuaria, pois assim, ofereceria outra alternativa lastimosa. As duas malcheirosas dividiam a amizade. Então me olharam juntas como o que você quer ou o que teria para nos oferecer. Talvez um milagre, que não fosse meu, cair da moto do menino entregador de pão. Elas correram como se estivesse no horário de almoço, quente e na mesa. O menino parou logo mais a diante e avaliou o prejuízo ofendendo as mazelentas esfomeadas. Não é a primeira vez que o vejo vacilar na curva com a comida. Pilota de chinelo e com a segurança do veículo irregular. Já entregou pão a um vizinho do meu quintal. Esse, que trabalha vendendo milho cozido com manteiga em frente à estação, nunca o vi folgar ou folga quando geralmente estou trabalhando. Todas as vezes que me vê reclama do tento úmido do seu quarto. Penso se é o melhor que pode fazer. Por que temos dois olhos?


Mais essa vez

        Desculpa. Desculpa por pedir desculpa. Desculpa por ter apenas isso a oferecer diante de quem eu sou com você. Desculpa por essas palavras repedidas. Desculpa por essas lagrimas fora da validade. Desculpa por viciar sua paciência. Desculpa por de fazer feliz apenas agora, agora que eu te imploro por perdão. Desculpa mais uma vez. Desculpe-me pela última vez dessa vez que será a última. Desculpa por insistir, desculpa vai. Desculpa por ter medo. Desculpa por não raciocinar num ritmo competitivo contigo. Desculpa por ser inferior a você em fazer o bem. Desculpa por ser superior a você em fazer o mal. Desculpa por minha ingenuidade. Desculpa por não poder retribuir, mas desculpa por tentar, tentar com todas as minhas forças e ainda assim não conseguir. Desculpa, mas eu tenho vergonha de te pedir tantas desculpas, então me desculpa já que agora criei essa coragem mais uma vez entre tantas. Desculpe-me, por favor. Desculpe-me, ao menos tente, como eu, ser o que não sou. Desculpe, até porque se fizer isso mais essa vez estará desculpando meu futuro promissor ao seu lado. Desculpe para que um dia eu faça o mesmo por você, sem ressentimentos. Desculpe-me. Desculpe-me para se desculpar, afinal, é para você o meu pedido e a minha oferta. É para você minhas desculpas, é tudo o que tenho e lhe dou como prova do meu amor cheio de remorso.



Por que o amor é assim?

          Por que, a menina disse. Diante da falta de quem amava, não acreditava na novidade ainda ferrenha, ainda mais sofrível. Ainda mais desgraçada e imparcial diante do seu atual estado. Após a triste separação, fruto de um relacionamento conturbado, se ver ante a fatalidade de seu bichinho de estimação, sua única e provável companhia para as noites decorrentes. Sua única explicação para se tranquilizar, sua única certeza, incerta como nunca antes. As palavras de lamento entaladas na garganta se desfaz como ar pelos tubos de um nariz úmido, com aspecto de olho inchado, e o olho de um beiço em épocas de inverno, seco de tanta tristeza. Ao chorar e chorar pela incompletude de seus sonhos, chorar e chorar pelo fracasso de seus planejamentos, e chorar, ainda sem vontade, pela vontade de se ver livre da alma culpada. Se ver livre da vida mundana que nunca se pretendeu que fizesse parte da sua estratégia de felicidade. Por quê? Nem mesmo ele, meu simpático cãozinho, que culpa nada tinha, apenas necessidade de cuidados, não se livrou dos estilhaços do amor. Ódio, o amor me despertou. Ódio, o amor me fez sentir. Amor, é de onde o ódio nasce. Amor, é o início de qualquer frustração. O que farei? Se ainda não confio no que vejo, deitado em meu sofá. O que farei, se se esse é seu jeito de se acomodar? O que farei se ainda estiver ai, apenas a compartilhar minha raiva de mim por mim que não tenho resposta de como aconteceu. De meu amor aos meus amores. De minha saudade a meu sofrimento. De minha magoa a minha falta de ar. De meus desejos a minha falta de coragem. De minhas poucas explicações, agora, a explicação alguma. De um por dois. De dois por eu. De mim por nada. De não querer me ver. De não querer me aceitar. Não querer, não quero, me dar chance. Quero agora me responsabilizar. Quero me murmurar. Quero dar minha vida pela minha vida. Quero pagar com minhas falhas. Sair de cabeça quente por uma semana e esquecer que existo voltando com a solução as questões do passado. Voltado com uma satisfação de por que fiz isso, ou pelo menos fiz, mas sem perder a atenção. Por que abandonei quem não pode gritar? Acredito que chorou baixinho. Acredito que uivo como uma criança geme. Acredito que se esforçou para latir ainda sufocado, ainda sem o que comer, ainda sem o que beber, ainda aguardando esperançoso por um milagre da porta se abrir involuntariamente, ainda aguardando que pelo menos sobreviva correndo a moda selvagem, instintiva, que fosse por um gato, que fosse por um rato, que fosse pela água da chuva, que fosse pelo capim do jardim. Morreu pelo meu amor fracassado. Morreu pelo ódio por ti. Pagou com a vida nosso equívoco. Pagou com a vida nossa saudade. Pagou sem exigir troco e subiu aos céus por amor ao nosso ódio que um dia foi amor. Por que o amor é assim?