O primeiro rola de moto é o primeiro beijo no asfalto. Diferente da queda com a bicicleta sem rodinhas ou do velotrol entre dois a três anos de idade, em ambos, não havia velocidade constante capaz de romper barreiras entre a vida e a morte. O primeiro rola de moto é o primeiro abraço apertado no solo, às vezes quente, às vezes molhado, vai depender do dia, da hora, do lugar. A vida entre a carne e o chão. O primeiro rola de moto é retomar não só a sensação de um acidente horrível, mas do cheirinho de hospital. É retomar mais que as avarias físicas do corpo, mas certos princípios morais. Voltar a ser educado. Ressurgirá a humildade perdida, a voz baixinha e perdoável sobre a pele ralada. Gentileza até para pedir um litro de soro fisiológico a balconista da farmácia. Nos tornaremos peritos em primeiros socorros, em mecânica de moto, em cuidados com a pele ao sol. Conhecimentos técnicos aludiram de nossa curiosidade. A ortopedia será nossa aliada. Andolba para a pele fedida. Nunca esqueça disso! Uma nova pessoa eu sei. Providenciará uma jaqueta chique, um par de luvas sofisticado e trocará o capacete robôcop por um fechado até pra lá do cavanhaque. O primeiro rola de moto é uma dupla consciência, tripla quem sabe, onde poderá existir as vítimas feridas, a moto destruída e o veículo colidido. Ainda assim, sob todo esse transtorno, levantar com a roupa colada no corpo vermelho e se deparar com o proprietário avaliando os danos de seu patrimônio, calculando mentalmente o quanto você deverá mais tarde pagar pelo prejuízo causado. O primeiro rola de moto é perder a virgindade de voar em alta velocidade. Colori as pedras brancas com a tinta da sua carne e tatuar o piso com seu sangue ganhando outra tatuagem 3D como recompensa. A tatuagem natural dada de presente pela rua em prol do seu desempenho a incompetência dos cuidados. Substância negra, resinosa, muito pegajosa, se mistura na epiderme ao coração arrependido sem saber. Chorar pela desgraça e desanimar por algumas horas. Renascer para contar história e provar que pode, dali para frente, fazer diferente. Concluir com seus próprios entendimentos que é só no sofrimento que paramos para pensar e aprendemos sozinhos. Você e sua vida rodeada pelo trânsito do extermínio. Nada escapará da reflexão do dente intacto, mas o osso partido; que poderia ter sido o contrário, o dente quebrado, mas o osso resistido. Qual seria o mais agravante? Sem falar nas manchas pretas pelas costas, o desenho da constelação de pedras e petróleo. O cotovelo sem ponta, sem as pontas dos dedos. A dor do osso na pele e a dor da pele no olho sensibilizado. O primeiro rola e moto é traumatizante. Será o ápice de sua coragem em continuar ou receio e desistir. Andar de moto é andar no cavalo da morte. Tudo conspirará contra sua vida e o seu corpo será o seu para-choque. Mas andar de moto é também andar num foguete de emoções onde o limite da adrenalina é o limite da própria coragem.