8 de setembro de 2018

A Religião do Inconciente

    Andei reparando numa coisa que meu pai me disse dias atrás: quase nunca fazemos algo para o outro, mas para nos sentirmos bem. Analisei muito o conteúdo dessa frase e rodando em meus pensamentos, perplexo diante da realidade, vasculhei as mais profundas lembranças e histórias da minha vida e nada tão significativo encontrei sobre algo que fiz para alguém sem que fosse pensando em algo que viesse a me retornar como mérito de minhas ações. 

    Claro que pensar em tudo isso só poderia me levar a uma única personalidade exemplo de doação e amor ao próximo que foi Jesus Cristo. Estudei novamente os evangelhos, para novamente concluir o quanto há em mim para mudar, se essa for mesmo a intenção. Jesus foi um cara inalcançável no tocante a paz e no que diz respeito a caridade. Acho pouco provável seguirmos a risca seus exemplos, pois fazer tudo pelos outros me parece ser algo como não viver para si. Seria não sentir prazeres. Seria não trocar, seria não competir, mas ter o poder e a glória para provar os ensinamentos e fazer acontecer os milagres. 

    Nosso caso é bem diferente. Não temos poder nem sobre nós mesmos. Não conseguimos ser obedientes nem aos nossos sentidos. Nossa intuição é por várias vezes desconsiderada. Temos vergonha. Temos orgulho. Temos inveja. Confundimos amor com posse. Confundimos raiva com medo. Confundimos dor com desejo, e inconscientemente praticamos nosso próprio suicídio. Nossa arte é exibicionista. Nossa doação é justificada. Nosso trabalho é por dinheiro. Nosso esporte é competitivo. Nossas conversas são políticas e intransigentes. Nossas paixões são para nosso próprio bem estar. Nossa vontade por si é sempre própria.

    O perfume e o chocolate dados a ela, na verdade são para mostrar que somos capazes e receber em troca o devido reconhecimento. O socorro é recíproco, por se colocar no lugar e não querer se ver também assim. Olhamos no outro e a dor que percebemos é a dor da nossa realidade, nos preocupamos primeiro conosco. Refletimos o que somos e ao enxergar ficamos com medo, ao enxergar pensamos na morte ou no amanhã. Tentamos salvar a família, os filhos, os avós pois é sinistra a ideia de viver só ou desamparado. Fazemos viagens, organizamos confraternizações, participamos dos happy hours, tudo por uma única razão: a solidão existe. 

    O futuro nos incomoda, nos afugenta. Fazemos as coisas por receio de um dia sermos esquecidos ou desvalorizados. A esmola é a contribuição para o bom senso da nossa consciência. O perdão é a esmola da nossa bondade. A pura bondade é a maior preguiça da alma. Amamos para sermos amados, isso vale para tudo. Ora, se nada é para o outro, porque sermos hipócritas? Por que a hipocrisia é a religião do inconsciente. Lá, a fé e a culpa são a mesma coisa.

    Viva o amor pelo próximo.