26 de abril de 2019

Quando um passado se torna presente

     Eu vi os caminhos da beleza. O esforço no tamanho dos seus músculos e a técnica nas veias do seu rosto. Vi todo um mar em seus olhos e a arte mais bruta em mim se aflorou. Eu vim para admirar. Sou um colecionador de talentos. Buscarei sua arte na fonte que foi sua maior inspiração. Eu vou fazer o que for necessário para alcançar a sensação da glória que hoje te faz descansar. O tempo tem nos consumido e as oportunidades de vigor se definhando. Estou na reta marginal a caminho de um clássico talento e nem a chuva e nem o sol me impediram ou me fizeram mudar de ambição. Nunca lhe dei nada, mas você foi gentil e me presenteou com a chance de ser o que você não quis.

     Recomeçar é o mais importante exercício da vida. Aprender a perder e a ganhar. Aprender a chorar e a sorrir. Enfim, entre tudo do que diz respeito a cair e levantar me lembra você. Em você que hoje eu mais me ânimo. Pela sua solidão então eu me apaixonei. Foi pela sua voz adoentada, pelo seu olhar fundo e pela sua força e sua história eu quase chorei, mas não me confundi, não me enganei. A minha admiração é sinônimo do meu talento. O seu talento será o reflexo dos meus sonhos e os meus sonhos quando realizados serão reflexos do que um dia você poderia ser. Eu hoje acordei disposto a evoluir, acordei disposto a me explorar e agradeço muito por te conhecer.

    Sinto tanto sua falta. Quero até lhe escrever, mas não posso. Sinto-me compelido e desorientado. É como se não lhe conhecesse ainda menos soubesse teu endereço. Mandarei uma carta ao teu nome e no destinatário meu remetente. Quem sabe eu ao receber possa sempre lembrar do quanto foi difícil nossa comunicação.

Ascensão ao Hóquei

     Quinta foi um dia especial, especial como todos os outros. Eu estava sozinho, concentrado, fora de qualquer nova expectativa e de repente ela veio veloz com um amigo lhe fazendo companhia. Ela só requisitou, não fez questão nem dos cumprimentos. Com roupas enormes, um taco nas mãos, um capacete quadrado e o rosto cercado por grades, eu senti a briza do oriente me arrastar. Senti cheiro de bambu e velas queimando, como se meus sonhos fossem reais. Mas ao iniciar a partida fui novamente surpreendido. Um homem mais velho e mais pesado virou-se de costas sobre seus patins e com seu taco nas mãos me encarou sobre a fúria de um passado glorioso. Vestido por uma gigantesca camisa de futebol em alusão a bandeira nacional de Portugal, foi melhor que assistir Piratas do Caribe no cinema.

Um Mar de Esperança

      Eu danço balé e penso no mar. Eu estudo matemática e penso no mar. Eu ouço música e me lembro do mar. Em meus sonhos o mar tem me chamado baixinho. Um convite espiritual. Um desafio gostoso. Uma novidade interessante. Sensações que me fazem acreditar que sozinho o homem realmente não é nada. Meu tempo é curto. Mas vou anotar o que eu não conseguir. Vou catalogar meus fracassos e registrar que não somos o que somos, mas o que idealizamos. Nunca ganhei uma medalha esportiva, e isso nunca foi motivo de me fazer desistir, porque a beleza não está na vitória, mas na esperança.

Equívoco

     Não vivo mais de sonhos. Não deposito mais esperanças em ilusões. Hoje o mais importante é ter paz, é manter a paz, é desenvolver a paz. Não a paz que resulta ausência de culpa, de brigas, de todas as dores. A paz que eu quero é a de me sentir bem em ajudar. Paz de conviver, perdoar, paz de interagir. O sonho é o que há entre a fantasia e a realidade.

Parafuso

     Quando a infância perde a graça, a vida começa a ficar muito séria. A gente cansa de escrever, de desenhar, ficamos calvos porque abandonamos os cabelos. Quando tudo precisa ter sentindo ou definição, os significados se tornam essenciais.


     Não há mais tempo e quando sobra surge ai uma necessidade de ser criança e correr como antes. Necessidade de ver valor nas coisas novamente. Do pouco voltar a ser muito. Mas nunca lembramos que o pouco que era bom à gente não aproveitou.

     Não sabíamos que o pouco é que era bom. Não sabíamos que o muito um dia seria nada. Não sabíamos que nossas convicções e nossas experiências refletiriam nossas marcas e nossas dores. Talvez somente assim seja possível criarmos competência para avaliar nossas vidas e a sociedade do nosso país.

     Uma vida em que se antes o que era motivo de risos agora é de choro. Uma sociedade que seus extremos quando antes eram pobres agora se erguem em belas edificações.

     Depois da infância a vida é como um parafuso. Improvável distinguir qual profissional é mais abatido: o político ou o professor. Pois o político quando não se mata para resolver problemas sociais, o professor tenta reduzir, mas no fim ambos saem como culpados.

     Depois da infância a vida é como um parafuso. As cenas se repetem o tempo todo. Os salários sempre estão baixos. Parece que o estudo nunca termina e você descobre que sua maravilhosa aposentadoria é apenas alguns dias de folga.

     Se bem que é verdade. Como antes pude acreditar que trabalhar era algo bom? Como agora posso acreditar que brincar é bem melhor?

     Se bem que é verdade. As viagens. As férias. As festas. As chances de ser feliz estão raríssimas vezes anotadas no extenso calendário laboral.

     Mas como um parafuso, a vida retoma as mesmas oportunidades e o corpo agora é quem não corresponde.

     Vive-se uma guerra. Quando a mente aprende a ser feliz, o corpo luta querendo se separar.


     Só tem rancor quem chegou a constatação simples e verídica de que os problemas e as histórias definitivamente sempre se repetem. O rancor é isso. O rancor é uma certeza aliada a nossa saúde e preservação. Sofremos demais, reiteradas vezes os mesmos desgostos e desalentos. Sofremos demais, dores contínuas e incessantes. O que naturalmente nos alucina a ideia do pesar e da contrariedade. O que naturalmente nos faz acreditar que é impossível confiar em algo que poderia ser bom. O rancor é uma fé condigna, pessimista e quente como um óleo velho de um carro que já não quer e não aguenta mais bater.
      Engraçado que às vezes supervalorizamos nossas famílias, mas não nos atentamos ao fato de que, por exemplo, se você decidisse ser homossexual, por ela você também seria desclassificado ou até quem sabe destituído. Às vezes não nos damos conta de que convivemos com potenciais inimigos e opressores. Acho errado odiarmos as coisas e as pessoas, mas aí reside uma grande questão que envolve decidir como amar incondicionalmente algo tão precioso sem a certeza de que o mesmo amor nos será retribuído? Como saber se estamos agindo certo, se somos julgados como errados exatamente por quem assim nos educou? Sem falar nas crenças e costumes dos antepassados que hoje refletem marcas de violência e desigualdades. Afinal, até que ponto a família tem sentido se com o futuro só conseguimos ver quase todas se destruir?
    Se não sabe lidar com a família, não saberá lidar com os amigos. Se não souber lidar com os amigos, tão pouco saberá com a família. Entretanto, a essência não é isso nem aquilo, mas sim até que ponto conseguimos sobreviver sozinhos, ponto este que possivelmente o levaria aos amigos ou a família.

    Desde criança...

    muito criança, talvez até criança no ventre, aliás, bem antes. Lá nos tempos dos meus avós, isso se não for ainda mais um pouco antes deles,

    ...a minha história é cristã. Apesar disso já me senti muito descrente, muito frio e confuso. Apesar do meu contato precoce com a fé pelo bem, hoje me sinto não muito diferente do que antes. Como seria bom poder todos os dias agradecer.

    Mas entre tantas informações adquiridas enquanto vivo, a fé tem sido a mais bela. Não somente consoante ao cristianismo e a fé por Jesus Cristo, mas a fé.

    A fé sempre é uma fé por algo bom. Nunca observei alguém dizer ou sentir fé em algo ou por algo ruim. O máximo foram vinganças: desejar reparo, retorno, providências.

    Mas a fé, a fé é pela mudança. A fé é pela recepção adequada. Temos fé que sairemos de nossos pensamentos formuladores. Nossos impulsos nervosos e primitivos. Nossas fragilidades e nossos defeitos.

    A nossa fé é uma fé pelo descanso e você poderá acreditar que não, tornando possível provar que a minha fé existe.


Jazz

        Mesmo quando o sol aquecia o ar a ponto de sufocar minha pele e interromper minha oração, não houve vez em que acordasse e não planejasse um belo dia. Mesmo agora que lá fora o tempo chora, me sinto perdido, mas ainda esperançoso. Se não desligo a música, não desligo a fé. A música é a Deusa das minhas emoções. Mesmo que eu tenha que novamente partir. Mesmo que eu seja novamente julgado. Mesmo que eu envelheça fora de casa, sem uma casa ou expulso de todas, eu não desistirei de olhar para o meu mundo com esperança. Não desistirei de acreditar em mim, porque sou a única pessoa capaz de me salvar. O buraco mais fundo é o da mente e mesmo que lá eu nada enxergue, se houver música eu vou dançar. É dançando que vou seguindo a vida.
      Eu fico imaginando uma vida em que a busca fosse mais por interesses do que por necessidades. Creio que faríamos menos exigências, vivendo bem e muito mais. Entretanto, o caos é que nossas demandas são intermináveis e aquilo que poderia ser apenas mais uma opção torna-se obrigação. Aquilo que poderia ser apenas uma saída, termina num buraco. Enfim, a vida que poderia ser variavelmente prazerosa, assim somente será apenas uma única rotina. É bom desejar, mas talvez não seja tanto quanto se contentar.

Masculinidade

       Parece que existe uma média no comportamento dos homens. Parece que a maioria são taxados como insensíveis, arrogantes e mentirosos. Dizem que somos imaturos e ignorantes. O comentário também é que sempre querermos tudo do nosso jeito e na nossa hora. O entendimento é unânime quando se fala sobre infidelidade, promiscuidade e o egoísmo. Somos sujeitos péssimos, senão abomináveis! Não há quem nos elogie senão nós mesmos pela nossa masculinidade. E sem elevar as nossas brilhantes virtudes pergunto: o que seria desse universo sem os homens?
     A esquizofrenia é um estado latente da consciência humana, elevando sua imaginação acima da média. Suspeito que todos somos, fomos ou seremos, ao menos alguma vez na vida, pelo julgamento de divergentes consciências alheias.

Rebeldia de Deus

       Estava tudo tão calmo. Era um dia normal. Nada indicava chuva. Nada demonstrava eventualidades. Nada como calor intenso ou ventos fortes. A época de frio estava longe e o ambiente por ser tropical não corria risco, pois a possibilidade de nevar era remota. A possibilidade de tremer era improvável. O clima estável naturalmente comunicava a todos seu espírito de paz. O Reino subterrâneo, influenciado pelos hormônios de sua líder, funcionava de forma estreitamente organizada. Um quartel-general e uma excelente torre de vigia cuidavam da segurança do local. Soltados, machos, operários, escravos, jardineiros e escavadores se dividiam em castas, cruzavam-se pelos labirintos de cuspe, alimentavam-se nos jardins de fungos e assim sobreviviam equilibradamente. Mas um castigo do nada caiu! Tudo de repente se estremeceu e o que era lindo se desmoronou. Uma obra complicada, que exigiu muito trabalho, desaba em suas próprias cabeças. Morrem então centenas de criaturas honradas, que agora afundam nas ruínas do próprio sucesso. Eram pequenos e inofensivos seres vivos em seu mundo modesto, pouco a pouco procriavam, se desenvolviam e com extrema cautela exploravam cada vez mais o infinito daquele quintal. O solo era fértil, o chão era árido, granulado, infestado por outras criaturas famintas, predadoras, amedrontadas, talvez sem entender bem quem são, de onde vieram e para onde vão. Somente caminham a procura ou a serem procurados. Os instintos falham bem como nossa criatividade. Frente ao desespero, as intensões são boas. Como adivinhar a forma, a data, a hora de uma tragédia? Como prever nossas desgraças, desgraças impostas, fortuitas a nossa vontade. Como escapar daquela pedra enorme rolando em sua direção e ao conseguir, ver por entre os escombros ossos partidos e gosma escorrendo. São vários gemidos de dor, pedidos de socorro, súplicas por um fim da devassidão. Era impossível para eles que eram tão alto ouvirem quem lá estava tão baixo. Gigantes e travessos, corriam pela grama esmagando um universo. Incapazes de perceber o massacre, incapazes de escutar os gritos, incapazes de sentirem o sofrimento. Corpos sendo destroçados, outros arremessados para longas distâncias, sem pudor, sem clemência, sem empatia. A ingênua crueldade parecia não ter fim. Os passos eram contínuos, um pesadelo que não terminava. Magnitude incomensurável, barbaridade desproporcional, também impossível de se conceber. Quando a força parou, restava apenas jogar os mortos num aterro, reconstruir o lar e voltar a viver se apoiando em esperanças.

Somos o que queremos

        Nunca pensei que iria amar algo tanto assim. Não imaginava que fosse possível gostar tanto, tanto até o peito gelar de ansiedade e as mãos formigarem de empolgação. Eu espero e conto cada segundo pela nova chance de colocar rodinhas sob meus pés. Engraçado que antes eu queria ser rico. Antes queria ter carro. Queria ter amigos. Queria ter namorada. Queria ter casa. Antes eu buscava as coisas pelas coisas, mas de repente eu me apaixonei por algo que não era coisa, mas movimento. Uma paixão avassaladora. Uma paixão descomunal. Uma sintonia e energia que não acabam. Já patinei doente, fraturado, depressivo. Hoje encontro-me sem a companhia da pessoa que mais amei. Mas ainda assim, mesmo diante da falta do meu grande amor. Mesmo sem um diálogo com meu pai que hoje tanto o admiro. Sem meu melhor amigo que tanto me ensinou. Sem a grana que tanto me faz falta. Sem certos caprichos que tanto desejei. Sem fama, sem luxo, sem status, sem requinte. Posso ser quase um ninguém. Posso ser louco. Posso ser humilhado. Posso ser discriminado. Posso vir a falecer por ódio e inveja. Nada iria me impedir de ser feliz sobre rodas. Ainda que eu seja forçado a seguir sozinho. Ainda que eu caia e não levante. Ainda que eu desapareça, nada vai me impedir de patinar. Nada vai mudar minha inspiração. Sou eu o único responsável por tal decisão. Sou patinador e descobri esse talento sozinho. Sozinho seguirei meu caminho, mesmo sem grandes proporções. Mesmo que sem grandes vitórias. Mesmo que sem nenhum compromisso. Eu e você, aliás, todos nós precisamos acima de tudo nos amar. Amar a si próprio é o principal caminho para o aprimoramento das demais percepções. Me sinto abalado e portanto vejo o quanto é necessário comemorar. Me sinto perdido e portanto vejo o quanto é preciso agradecer. O patins nunca foi a razão para o fim e nem para o abandono. O patins é um amor, como o amor que um jogador de futebol tem pela sua bola. O que seria dos cientistas, dos artistas, dos atletas e dos demais talentos sem a compreensão de seus familiares e companhias? Nem por todas essas coisas deixaria de viver demais obrigações. Tenho outras ocupações relacionadas e não relacionadas. Digo mais, somos o que queremos. Se eu quiser serei matemático. Se eu quiser serei administrador. Se eu quiser serei mecânico. Se eu quiser serei servidor público. Se eu quiser serei poeta. Se eu quiser serei surfista. Se eu quiser serei físico. Se eu quiser paro tudo e começo a andar de bicicleta. Se eu quiser encontrarei outra namorada, entretanto, a única coisa que quis e quero é patinar. Agora, seja na alegria ou na tristeza, vou patinar do mesmo jeito e durante minhas apresentações vou lembrar do quanto é verídico o fato de sermos exatamente aquilo que queremos. Somos patinadores de alma e hoje a nossa chora, mas um dia novamente brilhará. Seja exatamente o que você quer e faça acontecer o que juntos tentamos mas não conseguimos.

       Como é interessantíssimo perceber a influência dos pais na infância quando observamos um sujeito já adulto. Seria possível, ainda, concluir que a criança é num determinado período matéria-prima de uma construção social. A criança sofre as modelagens diferenciadas da família e do ambiente. A criança evolui sua moral ou conduta, por exemplo, pela arquitetura ideológica de quem o serve como exemplo ou autoridade. Vejo pais que se quer detém essa noção. A noção de seu papel e sua responsabilidade como criador de um sujeito futuramente responsável por novas criações.