26 de abril de 2019

Parafuso

     Quando a infância perde a graça, a vida começa a ficar muito séria. A gente cansa de escrever, de desenhar, ficamos calvos porque abandonamos os cabelos. Quando tudo precisa ter sentindo ou definição, os significados se tornam essenciais.


     Não há mais tempo e quando sobra surge ai uma necessidade de ser criança e correr como antes. Necessidade de ver valor nas coisas novamente. Do pouco voltar a ser muito. Mas nunca lembramos que o pouco que era bom à gente não aproveitou.

     Não sabíamos que o pouco é que era bom. Não sabíamos que o muito um dia seria nada. Não sabíamos que nossas convicções e nossas experiências refletiriam nossas marcas e nossas dores. Talvez somente assim seja possível criarmos competência para avaliar nossas vidas e a sociedade do nosso país.

     Uma vida em que se antes o que era motivo de risos agora é de choro. Uma sociedade que seus extremos quando antes eram pobres agora se erguem em belas edificações.

     Depois da infância a vida é como um parafuso. Improvável distinguir qual profissional é mais abatido: o político ou o professor. Pois o político quando não se mata para resolver problemas sociais, o professor tenta reduzir, mas no fim ambos saem como culpados.

     Depois da infância a vida é como um parafuso. As cenas se repetem o tempo todo. Os salários sempre estão baixos. Parece que o estudo nunca termina e você descobre que sua maravilhosa aposentadoria é apenas alguns dias de folga.

     Se bem que é verdade. Como antes pude acreditar que trabalhar era algo bom? Como agora posso acreditar que brincar é bem melhor?

     Se bem que é verdade. As viagens. As férias. As festas. As chances de ser feliz estão raríssimas vezes anotadas no extenso calendário laboral.

     Mas como um parafuso, a vida retoma as mesmas oportunidades e o corpo agora é quem não corresponde.

     Vive-se uma guerra. Quando a mente aprende a ser feliz, o corpo luta querendo se separar.