Nunca pensei que iria amar algo tanto assim. Não imaginava que fosse possível gostar tanto, tanto até o peito gelar de ansiedade e as mãos formigarem de empolgação. Eu espero e conto cada segundo pela nova chance de colocar rodinhas sob meus pés. Engraçado que antes eu queria ser rico. Antes queria ter carro. Queria ter amigos. Queria ter namorada. Queria ter casa. Antes eu buscava as coisas pelas coisas, mas de repente eu me apaixonei por algo que não era coisa, mas movimento. Uma paixão avassaladora. Uma paixão descomunal. Uma sintonia e energia que não acabam. Já patinei doente, fraturado, depressivo. Hoje encontro-me sem a companhia da pessoa que mais amei. Mas ainda assim, mesmo diante da falta do meu grande amor. Mesmo sem um diálogo com meu pai que hoje tanto o admiro. Sem meu melhor amigo que tanto me ensinou. Sem a grana que tanto me faz falta. Sem certos caprichos que tanto desejei. Sem fama, sem luxo, sem status, sem requinte. Posso ser quase um ninguém. Posso ser louco. Posso ser humilhado. Posso ser discriminado. Posso vir a falecer por ódio e inveja. Nada iria me impedir de ser feliz sobre rodas. Ainda que eu seja forçado a seguir sozinho. Ainda que eu caia e não levante. Ainda que eu desapareça, nada vai me impedir de patinar. Nada vai mudar minha inspiração. Sou eu o único responsável por tal decisão. Sou patinador e descobri esse talento sozinho. Sozinho seguirei meu caminho, mesmo sem grandes proporções. Mesmo que sem grandes vitórias. Mesmo que sem nenhum compromisso. Eu e você, aliás, todos nós precisamos acima de tudo nos amar. Amar a si próprio é o principal caminho para o aprimoramento das demais percepções. Me sinto abalado e portanto vejo o quanto é necessário comemorar. Me sinto perdido e portanto vejo o quanto é preciso agradecer. O patins nunca foi a razão para o fim e nem para o abandono. O patins é um amor, como o amor que um jogador de futebol tem pela sua bola. O que seria dos cientistas, dos artistas, dos atletas e dos demais talentos sem a compreensão de seus familiares e companhias? Nem por todas essas coisas deixaria de viver demais obrigações. Tenho outras ocupações relacionadas e não relacionadas. Digo mais, somos o que queremos. Se eu quiser serei matemático. Se eu quiser serei administrador. Se eu quiser serei mecânico. Se eu quiser serei servidor público. Se eu quiser serei poeta. Se eu quiser serei surfista. Se eu quiser serei físico. Se eu quiser paro tudo e começo a andar de bicicleta. Se eu quiser encontrarei outra namorada, entretanto, a única coisa que quis e quero é patinar. Agora, seja na alegria ou na tristeza, vou patinar do mesmo jeito e durante minhas apresentações vou lembrar do quanto é verídico o fato de sermos exatamente aquilo que queremos. Somos patinadores de alma e hoje a nossa chora, mas um dia novamente brilhará. Seja exatamente o que você quer e faça acontecer o que juntos tentamos mas não conseguimos.