17 de novembro de 2022

Como trabalhar descansando

Pode parecer estranho, mas não esqueço de nenhum momento nosso. Guardo todos, pois na minha opinião o que poderia ser mais ridículo que isso é não ter memória para contar alegrias, mais ridículo é nunca tirar fotos de amor. Essa coisa de querer esnobar o passado, ou censurar o presente, com preconceito do vexame no futuro. Não há como manter pose de intelectual e prometer que nessa imagem não sorrirei. Existem fotos que são necessárias para compor nossa existência e há quem exista, acredite em mim, apenas pela química revelada no papal, manchada de respingos ao tom encardido da lembrança. O que seria das recordações se não fosse as reminiscências trazidas de uma imagem. Representações de estreias, nascimentos e paixões onde foi inevitável tirar nem que fosse sim, uma selfie. Pegue seu deboche, ao fuçar gavetas alheias, e use-o nos momentos sozinhos, tardes de domingo, para ver se terá essa mesma energia. Guarde a reclamação e a timidez na gaveta de calcinhas ou na caixa de ferramentas. Às vezes é olhando devaneado para elas que você toma consciências do seu lado brega, seu sorriso escroto, ao lembrar do que foi bom, perdido na galeria do seu celular. Em um reencontro a menina uma vez me disse que para lembrar de mim, depois do total bloqueio as injúrias do fim da relação, escutava as músicas que eu a enviava em épocas melhores. Quem é que vai estufar o peito de galo e ciscar nunca ter tido essa necessidade. Balela. Todo mundo sente saudade e se já foi difícil desistir sem mais amar, imagina depois do amor, que vem se reconhecer justo quando sobreviveu somente o ódio. Vale para morte! Sem as lembranças, não houve nascimento, não houve família, não houve normalidade o mínimo que fosse. Isso é vida estranha e esdrúxula. É o mesmo que vir à são Paulo e não conhecer a Paulista ou o Brás. É o mesmo que ir para o Rio e não bater flash diante do Cristo. É o mesmo que ir a qualquer praia sem fazer clique de idiota e sorrir, de costas pro mar, de frente a câmera do seu telefone. É o mesmo que na euforia da galera reunida, por implicância, recusar sair na foto. É não querer fazer parte. Mas desculpa, não podemos fugir senão a ser julgado, talvez por você mesmo, as demonstrações de indiferença, frieza ou falta de emoção. Gente que acha cafona a troca de cálices no casamento. O embrulhamento doloroso dos abraços, obrigados a sorrir. Brinde de espuma ou quem corta o bolo primeiro? Os dois empatam de zero no estádio da breguice, mas haverá ingressos caros ao museu dessa disputa. A briga para abrir o álbum e chorar de rir da palhaçada. A retrospectiva após o Baile de Debutantes, onde se foi o tempo das meninas se organizarem em escalas para o registro que começa com xis dos dentes tortos e termina ao chão da algazarra. A caríssima formatura pilantresca do fundamental. Aquela básica excursão ao zoológico ou, mais desairoso, ao Sesc, PlayCenter, com direito a replay. Aquele namoro, o sublime namoro, único que quase deu certo, digno de seu próprio pedestal. As amigas de classe. A galera bonita do 1°B ao povo morto do 2°A, e os melhores no campeonato, que estarão no 3°C da sala 22. As antigas do Orkut. As poucas imagens que restaram foram justamente para deixar saudades: donativo voluntário do amor. Na companhia da sua solidão, ou ao lado dos filhos, rir e chorar, ao mesmo tempo.