Primeiro começamos como Lingo-Dingo, pedindo ajuda e de cara, no primeiro fracasso, desistimos e então vamos para o Trash, revirando lixo. Depois de muito lucro, percebemos o enorme êxito e dentro desse sucesso, por incrível que pareça, brota um terrível olhar humano. A polícia começa a nos observar, nos sentimos criminosos, outros andarilhos começam a fazer os mesmos caminhos, nos mesmo horários, dai, diante a tanto ciúmes, voltamos a pedir. Mas nesse ponto, já temos mais experiência, então quando não conseguimos implorando, esporadicamente, recorremos ao lixo até começarmos a usar, na mendicância, da maldade para fazer o bem. Assim, paramos em portas de lanchonetes, estabelecimentos, mercados, lojas, padarias e afins para pedir comida. A maldade é a fome que sentimos e que não é culpa nossa, mas do corpo, porém, usamos como pretexto para ali aproveitar as oportunidades de se alimentar. Com o tempo, vamos notando que usar o mal, que é a fome, para gerar o bem, que é a caridade, não compensa. Temos o direito de pedir, todos, porém, tem o direito de negar. Pedir comida em frente a um lugar que vende comida é como ser rico e jogar dinheiro fora. Parece ser mais difícil pedir dinheiro do outro lado da rua mas na verdade é tão nobre quanto, sendo rico, doar dinheiro ao invés de jogar fora. Fazer girar a Roda do Dharma pela fome não é justo a boa tranquilidade da consciência. Então, invertemos, usando o bem para fazer o mal. Paramos em qualquer lugar e começamos a pedir esmolas. Diariamente, em pouco tempo, ganhamos dinheiro fazendo a Roda do Dharma girar. Mas, muitas vezes, já acostumado com a fome, optamos por comprar droga e ai entra a maldade, finalizando aquilo que antes tinha começado bem. Muitos sábios, alquimistas, filósofos e cientistas poderiam duvidar de que nesse estilo, a prática denotaria por fim fazer o mal usando o bem devido ao fato da generalização do elemento Terra no processo de regeneração do estomago e realmente, a droga, como qualquer remédio possui tais propriedades, todavia, não diretamente para estomago, mas para consciência. Quando usamos droga, a absorção nem sempre é feita pelo processo digestivo, mas pelo respiratório e quando não, como no caso do álcool exceto por ser liquido, cai na corrente sanguínea mais rápido do que a comida e com isso, alimenta mais a consciência do que o estomago. A droga, de modo geral, nutri mais a cabeça do que a barriga, o que, fatalmente, ocasiona mais fome e por tanto, mais maldade, O pedinte, se for educado, consegue perceber esse detalhe ético extremamente sutil aos olhos da sabedoria que envolve a clínica e a saúde do corpo. Sim, é muito melhor comprar drogas do que comida, entretanto, nessa etapa da vida, ficar mais inteligente em detrimento de ficar mais faminto, também não colabora positivamente a tranquilidade da consciência por que depois do consumo da droga, a fome aumenta e daí, a necessidade de voltar a trabalhar pedindo também. Parece que não, mas, em certos casos, mendigar dá mais trabalho do que o próprio ato de trabalhar e somente quem pede, sabe. Já fui trabalhador formal, informal e hoje vivo de esmolas e posso afirmar que, se em 3 horas consigo 10 Reais, no mês, mangueando 9h por dia, ganharia 900, o que dá menos que um salário mínimo. Portanto, finalmente chegamos a consciência de fazer o bem usando o bem. Paramos em qualquer lugar e começamos a pedir esmolas. Diariamente, em pouco tempo, ganhamos dinheiro fazendo a Roda do Dharma girar e muitas vezes, já acostumado com a fome, fazemos doação com a doação e mesmo precisando de ajuda, acabamos, também, conseguindo ajudar. É um trabalho maravilhoso, mas diante ao exposto, o verdadeiro mendigo etimologicamente, ou seja, mendicus, que termina no proto-indo-europeu *mend-, significa ( “ defeito físico, mancha no corpo ” ). O verdadeiro mendigo é aquele que, independente do que faz com seus ganhos pela a suplica, com o corpo manchado ou em deficiência física, implora.