6 de maio de 2015

Florzinha

         Hoje sai pra vender florzinha com minha mãe. Ela é uma artista de rua que ninguém sabe: decora arranjos que ninguém reconhece, porque não é simples prestigiar algo que nasce do lixo; da bagunça que floresce a beleza. Uma arte suja, embora digna. Mas faço o favor de ajudar calado. Não é gay vender flores, gay é comprar flores, disse uma Mãe ao seu filho o vendo chorar pela vontade de levar um bocado das rosas. O menino as olhava como um dia olhei para os livros do Where's Wally e meu pai àquelas carretas de brinquedo vendidas nas beiras das estradas. O menino era atraído pelo perfume das cores; as cores atraída pela harmônia dos tons; verde e vermelho a paixão, marrom e dourado a solidão, de inverno a outono à madeira do vaso. O menino de hoje será o homem de amanhã. Chora ao desejar, chora como uma mulher. Sensível e derramado, vai falar perfumado. Pelos tradicionais será visto como gay, por ele um elogio. Já não se importará em ser confundido. O mundo é outro. Se sentirá ampliado, se sentirá favorecido. Terá o dom de conquistar as melhores garotas graças ao sorriso que aprendeu com as flores. O menino, quando for homem, saberá traduzir o desaforo. Não se sentirá diminuído, não se sentirá incomodado. Podem chamá-lo de mulher, saberá que está sendo chamado de inteligente. Saberá que sua conversa tem assunto. Saberá que seu diálogo tem conteúdo. Gosto de flores assim como esse menino. São pelas flores que guardamos segredos. São pelas flores que nos importamos com o que ainda não foi dito. São pelas flores que obtemos senso de humor. Somos carentes pelo futuro. Aprendemos a escolher as roupas. A cuidar do corpo e a afinar as cordas da atenção sem deixar passar batidos o esmalte dela nos dedos. É o esmalte não o dedo. Meus amigos dobram a toalha da mesa e ajeitam o vaso no centro. Alguns já são os homens mulheres da casa e não descobriram. Amanhã esse menino terá se aberto e se livrado do preconceito. Andará de mãos dadas com os anéis e assistirá filmes para se organizar no escuro. Será o melhor amigo da mulher e o maior inimigo do macho tímido e grosso diante da irreverência dos logos cílios e carnudos lábios. Todo homem é mulher no amor. Chamará um taxi com gritos. Fará escândalos nos aeroportos, estenderá os braços e as pernas por um atendimento de qualidade. Se importará mais com o sofrimento do outro, com a rejeição, o medo do isolamento. Sentirá a dó de uma criança. Sem orgulho, sem rancor, desabafar sentimentos diante de um copo de vinho. Quem é visto como gay hoje, será tratado como homem amanhã. Um homem que não economiza elogios e coleciona sapatos. Um homem que será educado sem ser taxado. Será espontâneo sem causar nenhum incômodo. A fragilidade de uma flor nasce da força entre a raiz da semente a porosidade da terra.