Diferente do filho que passou a infância inteira apenas ao lado do pai, eu dividi meu tempo entre as gavetas da casa e minha mãe. Ela odiava quando bagunçava os armários. Fui muitas vezes apreciado com cascudos pela inconveniência. Como em outras épocas, não fui aquele tipo de garoto companhia na pesca, ajudante na caça; não fiquei exclusivo a sair em busca de água ou à procura de lenha. Também parei na beira do fogão e assistir o gás acabar. Não tive culpa se as paredes com azulejo me atraiam mais que as com cal. Não tive culpa se minha mãe produzia aromas comestíveis e me fazia sinais de fumaça através da janela. Ele é uma dona de casa gentil, do tipo que prova a comida na colcha da mão. Seu modo de preparo ainda não se concluiu na minha cabeça. Aprendi toda a rotina, só não o talento: dizem que se nasce com ele. Primeiro a panela ao fogo; óleo e alho indispensáveis. Vai torrar o arroz enquanto frita a carne para mais tarde lançar porções de água e molho entre um e outro que não consigo decorar. Lembro que chegava da escola correndo, abria o portão, fechava o portão. Afugentava o cachorro. Abria a porta, fechava a porta. Lançava um olhar panorâmico na sala amarelada pela luz incandescente e sugava aquele cheiro quente de feijão cozido. O barulho do bico da tampa despertava ainda mais meu apetite. Era impossível esperar diante do movimento da colher de madeira sobre a panela, só aguardava um vacilo para experimentar o gosto do sal: arroz cru não tem sabor! Foi ai que disse a minha mãe: por que não faz o arroz com manteiga veia? Não sei por que as mães depois de um tempo não pedem mais de duas vezes. Pediu-me para lavar a louça dias atrás, prometi que iria e quando decidi a encontrei secando a pia. Ou ela é rápida demais ou eu demoro muito. Na verdade, ela é rápida demais e eu demoro. É ressabiada, precavida, preocupada. Tem sempre de bate e pronto um guarda-chuva e uma linha enfiada na agulha. Minha mãe mora a mais de 30 anos em São Paulo, mas não abandonou os 20 que viveu na roça, assim como não abandonei meus 22 que viajei dentro de casa. E agora, diante do passado vejo minhas imperfeições do cotidiano que não sei dizer se são péssimas ou apenas ruins em virtude do caos social em que estou inserido. É verdade que há homens que conhecem a cozinha mais do que a sala e, embora independentes, se sentem grandes idiotas ainda perdidos no ventre de sua mãe.