Podemos ser muito mais do que somos, sabemos disso. Podemos ser se quisermos, sabemos que só basta querer, ou ter a oportunidade. Queria além de tudo ser mais do que fui. Queria ter aberto os potes de conservas. Queria ter jogado o lixo lá fora. Queria ter trocado a lâmpada da cozinha e a resistência do chuveiro. Eu queria ter te amado mais, mais do que eu poderia. Mesmo que isso se configurasse a maior das humilhações. Eu queria. Eu queria ter sido mais escandaloso do que indiferente. Eu queria me arrepender rápido das grosserias e ser perdoado sem querer. Eu queria ter dividido as longas viagens pela estrada contigo. Ter tido mais paciência em explicar como se caminha, ter tido paciente de te ouvir dizer: eu já sei caminhar. Além disso, eu queria como queria abrir meu livro e encontrar um bilhetinho de papel rosado seu. Eu queria, em um jantar entre amigos, disputar para ver quem conta primeiro como nós nos conhecemos. Eu queria, voltando a mim, nunca ter abandonado a conversa, mesmo quando não tivesse mais nada a falar. Eu queria, voltando a você, que me corrigisse ao repetir a roupa na mesma semana. Eu queria ter conferido se a porta estava fechada mais vezes. Eu queria que tivesse me lembrado da cafeteira ligada. Eu queria ter comprado uma cafeteira. Isso que é foda. Eu queria. Eu ainda quero alguém que não se irrite com minhas sinceridades. Que não se fruste com meu amor apenas por reparar nas suas sobrancelhas borradas. Que arrume ingressos para um show de repente. Que me pergunte ao menos uma vez: o que vamos fazer final de semana? Eu queria que se importasse com meu cheiro e lamentasse sentir saudades de um dia, aflição de dois dias, paranoia de três dias, surto de dezesseis ligações e um bilhete de baixo da porta me amaldiçoando no caso praticamente de morte ou sequestro de uma semana. Eu queria que não largasse minha mão nem para coçar o rosto. Que me olhe paralisada em nirvana a me ver distraído. Que narrasse o seu dia, detalhadamente, mas claro, jogando Ben 10 Omniverse sem me dar tapas pela apelação. Eu queria que tivesse pressa de mim, que entrasse em desespero, ao chegar em casa contando notícias. Eu queria ter chamado para dormir, dado um beijo para acordar e responder com o maior carinho que me dispor sobre o tempo, antes que se levantasse para vê-lo pela janela. Eu queria ter sorrido mais, mesmo que me saísse o perfeito palhaço, mas um palhaço de suas palhaçadas. Eu queria ter sido necessário. Podemos ser se quisermos, sabemos que só basta querer, ou ter a oportunidade.