26 de novembro de 2014

Reflexões do olhar


     No metrô, reparei na menina. Desde Itaquera até a estação Sé sem puxar o celular do bolso.

     Será que ela teria celular? O que sei é que ela tinha estilo. Cabelo marrom da cor das sobrancelhas.

     As unhas, mergulhadas no brilho da base, escondiam, como a superfície de um lago, inúmeros mistérios.

     A gargantilha de ouro amarrava a lembrança no corpo.

     Curioso, achei um dread caído no ombro.

     Cadê a tatuagem, interroguei meus pensamento. Trocou a mecha de rosto por um dente de leão no lado discreto do pescoço.

     Perfume, apostei que fosse o perfume do corpo. Talvez sabonete do banho de ontem.

     Se não fosse o receio, solicitaria um abraço. Abraços são confissões e também excelente forma de conhecer, os corações se cumprimentam.

     Imagino um quebra-cabeças, sentindo-se sozinha sem a menor ideia de como começar. 
Ninguém para compartilhar sua demência. Ninguém para desvirtuar seu olhar, paralisada pela luz da janela.

     Olhava para ela com a atenção de um analista. Olhava para ela com a criatividade de um fotógrafo. Olhava para ela com a mesma paixão de quem olha para lua.

     É reparando nas características dos outros que eu reparo a minha vida. Natural do ser humano.

     Ela não olhava para os lados. Tão concentrada no problema que não poderia soluçar.

     Provavelmente idealizando que bom seria acordar feliz. Queria tanto dizer pra ela que felicidade a gente não corre atrás, a gente carrega conosco, por vezes, todos os dias.

     Se ela soubesse que no amor não existem culpados, mas o que existe é falta de interesse e que precisamos aprender a levitar.

     Eu quase perguntei seu nome, foi quando ela me encarou e eu com meu livro, disfarcei. 😳

     Na mesma janela vi ela me olhar e descobri que o reflexo dela era o meu, estava me olhando primeiro sem eu perceber.

     Poderia ter me identificado como admirador ou talvez tivesse feito para si as mesmas perguntas ao me ver fixado na leitura do seu corpo, o que não me interessava mais que da sua alma.

     O moço deu lugar no assento do lado, a porta se abriu e já era a minha estação. O que ela tinha, ficará com ela, registrado na janela. 🚄 🍃 🌾