Segure sua dor, esse órgão que pulsa em suas mãos.
Segure sua raiva forte, sua ira reprimida e seu impulso violento.
Segure essa incitação contra aquele ou aquilo que nos ofende ou indigna.
Segure seu comportamento de ferocidade, de irritação contra quem te agride.
Sinta seu ódio, espere borbulhar no canto da boca, experimente seu sabor.
Aprecie o amargo desgosto escorrer dos seus ouvidos quase insensíveis, incapazes de captar algo bom, túnel para entrar e sair.
Dê prestigio ao que seus olhos vêm com tanta precisão.
Não seja tão modesto com sua percepção da realidade: boa parte das pessoas estão pouco se fodendo sim umas para as outras.
Mas, por favor, não seja coitado, mesmo que seja verdade que no final das contas a vida sempre fracassa.
Perca tempo.
Deixe o medo.
Errar não é humano?
Eu faço amizade com a dor.
Como um mendigo que recusa o albergue e se acomoda no chão da calçada.
Como um soldado que obrigado aprendeu a desviar de tiros.
Esquivo das flechas da morte como se estivesse bêbado jogando sinuca. Já jogou sinuca?
Não se sinta intimidado nem apreensivo. Você já se acostumou com tanta coisa.
Nos acostumamos a comer no mesmo horário, a usar determinado tipo de roupa, a pagar as contas no mesmo banco.
Estude mais. Observe melhor as pessoas. Esqueça a velha publicidade vendendo vidas que não existem.
Fazer o que se somos medíocres na natureza? Vamos sofrer em resolver isso buscando uma vida estética, pelas sensações? Uma vida sedutora: sexo, bebida, jogos, comida, viagens: uma opção boa, mas dificilmente acessível e jamais duradoura.
Repito caminhos para não esquecer quem sou.
Já não ligo para o cheiro desagradável da sala, fiquei trancado aqui por algumas horas, não sinto mais sua presença.
É uma adaptação do meu próprio organismo para não sentir o incômodo do elemento desagradável que foi você em minha vida.
E da mesma forma acontece no campo emocional. Nós nos acostumamos a usar com mais frequência determinados tipos de emoção.
Algumas pessoas trabalham muito com a culpa. Estão sempre condenando alguém ou alguma coisa.
Outros trabalham com a crítica. Pode ver tudo arrumado, mas se ver uma vassoura no canto da sala, o olho bate logo lá.
Outros se acostumam com a baixa-estima. Já se acostumaram a se enxergar sempre de uma forma negativa.
Eu me acostumei com o sofrimento. Isso é muito comum em pessoas que tiveram um passado muito sofrido. O tempo passou. Está em outra época mas continua se lembrando do tempo em que carregava cana na cabeça. São pessoas que não aprenderam a lidar e a lutar pela felicidade. Muitas pessoas não sabem oque fazer com a felicidade. Não sabem simplesmente senti-la. Outros não querem nem sentir com medo de um dia perdê-la.
Mas no amor há uma vantagem que nem todos percebem, trocamos os órgãos.
Muito cuidado, quando eu amar, saberei exatamente a dor que terei em minhas mãos.