Parei para olhar suas fotos e deduzi trechos do seu maravilhoso passado. Seria equívoco generalizar sua vida por algumas imagens perdidas em sua memória. Seria errado reduzir sua história a restos de tinta esquecidos no porão da sua alma. Seria inconveniente acender as luzes para voltar a brilhar esse jardim abandonado. Eu queria acertar qual a sua flor favorita, qual o pedaço de mato que seu olfato insistente não esquecer. Que cores combinam mais com o teu rosto. Se é o cinza das paredes dessa cidade , se é o verde da árvore frente ao portão da sua casa, se é o amarelo do sol que te ilumina quando você só quer sorrir sem saber por quê. Explica essa trilha sonora das fotografias que cantam o seu perfil, esse som tranquilo, parado como uma imagem. Que luz desenhou melhor a sua alegria, aquela que veio do azul do céu ou aquela que veio de uma festa inesquecível. Que luz desenhou melhor a sua melancolia, aquela que veio do vermelho do seu quarto ou a roxa do bar que você girou amizades. Seu amor, que luz fez molhar a sua pele suada ou fez borrar seu batom já quase ressecado. Quem salvou o seu melhor lado?
Diante do flashback, eu me pus a comparar o que fui com o que sou. Todos, quando pequenos, sofrem com separações, com desavenças, com conflitos, indicativo de trauma, término da idealização e receio de parar num orfanato. E todos, quando maduros, consideram a separação e o individualismo necessário e natural. É impressionante o quanto nos esforçamos para manter os pais juntos, as amizades unidas, sem a preocupação com o registro do fato, a exaltação do momento, o disfarce de um sorriso abalado, de uma consciência real sobre a dificuldade da vida, e não realizamos quase nada pelo nosso conforto afetivo na vida adulta. A câmera frontal aliviou nosso orgulho ferido. Jamais deveríamos nos esquecer daqueles que capturaram nosso melhor ângulo. Jamais deveríamos nos esquecer de quem coloriu nossa euforia. Que cor sua vida teria no porta-retrato do meu coração? Pior que me esquecer no fundo do baú será me excluir na lixeira do seu passado...