24 de novembro de 2016

Sensações pósteras

      Eu sinto tanto. Dentro em breve amará outro ao ponto de copiar caminhos e frases à homenagem de suas histórias, do que viveu comigo, do que aprendeu comigo, do que não quer que fique para o esquecimento, pois o amor será por outro, mas a esperança continuará sendo a mesma.

      Eu sinto tanto. Irá esquecer do meu toque, mas não esquecerá da minha voz.

      Eu sinto tanto. Arrume teu quarto com a lembrança da minha alegria. Dobre suas roupas e sinta o meu perfume. Vá ao shopping e use um dos meus presentes. Abra um livro e se emocione com a nossa história.

      Eu sinto tanto. Não me terá para dividir a salada de frutas gigante que trazia todas as manhãs de domingo na cama. Não dividirá mais a cama de solteiro.

      Não terá mais o acaso de alguém que escolhia filmes épicos para noites de sexta, a te sensibilizar, a te tatuava por dentro.

      Não estarei contigo quando lembrar dos familiares falecidos. Não estarei contigo quando esquecer de estudar. Não estarei contigo quando parar no tempo. Não serei mais seu relógio nem seu calendário.

      Não terá quem te lembre de novos concursos. Não terá quem lhe ofereça ajuda para pagar as inscrições, que lhe ofereça ajuda para ensinar disciplinas, que lhe ofereça ajuda a caminhar por um mundo que ninguém nunca mostrou.

      Eu sinto tanto. Ninguém iria incentivar a patinar, a jogar bola, a fazer acadêmia, a correr no parque, a fazer dieta e comer besteiras, tudo ao mesmo tempo.

      Receberá convites automáticos. Será parte de programas pré-estabelecidos, forjados pela nova conquista, e o que antes era rotina logo será passado.

      Começará a pensar no que não fez. 
      Começará a fazer o que deveria.

      A taça de vinho estará vazia. A chuva será água com gás. A pizza de 4 queijos terá meu sobrenome. Os espetinhos de tulipa terão a minha cor de pele. A desgraça lembrá o sabor do meu beijo. As alegrias terão a saudade do meu sorriso.

      Não terá mais a minha mão para segura. Não ouvirá mais a minha voz estremecida por algum problema do qual necessitaria da sua opinião. Não receberá mais o meu bom dia ofegante pelas manhãs. Não precisará mais estender os pés para me alcançar. Não será mais esmagada pelo meu abraço forte. Não terá mais o meu peito como teu travesseiro.

      Eu sinto tanto. Não ganhará mais rosas de chocolate junto com sapatos, após uma intensa discussão. Não ouvirá minha leitura poética, e agora buscará talvez direito da fonte, mas sem o gosto da minha boca para explicar, sem o gosto da minha empolgação para lhe confundir.

      Eu sinto tanto. Irá esquecer dos seus defeitos, convencerá as amigas de que fui um babaca, que não prestava, que não fui fiel. Sentirá ódio por imaginar que não te amai, que não me esforcei, que fui grosso, que fui incompreensível.

      Eu sinto tanto. Irá esquecer do meu estilo de roupa, do número dos meus sapatos, do tamanho das minhas camisas. Não se importará mais com meu aniversário. Não abrirá mais o meu armário para ver o que eu ainda não tenho. Não dividirá mais a toalha, não roubará mais os meus bonés, não terá mais as paredes do meu quarto para decorar com fotos impressas no papel.

      Irá me procurar pelo perfil dos outros, ansiado por notícias. Tentará prever por onde ando, com quem estou e para quem tenho escrito.

      Eu sinto, sinto mesmo não ter sido diferente, porque pelo menos não restaria tanta coisa para sentir.