Nossa música favorita desperta alegria, mesmo que com a lembrança sobre algo que se foi. Somos românticos apesar do sofrimento cotidiano. A impetuosidade da vida é a que justamente nos encanta, porque é com ela que deslumbramos o que poderia ser diferente. Surge na esperança a beleza de tentar viver. Quando há dias sem receber uma mensagem é que pensamos quão importante foi cada uma agora excluída. É possível ser bom agora. É possível chorar agora. É possível descobrir definitivamente o que é alegria. É ser aceito. É ser procurado. É ser entendido. É ser lembrando. É ser desejado. É ser alguém para alguém. É estar inserido. É estar junto e não sozinho. Mas nosso corpo não se regenera apenas na carne, os sentimentos também criam suas couraças, e aos poucos nos condicionamos a seguir como a vida nos ensinou. Aceitamos nossa condição cada vez menos dolorosa e esquecemos de aproveitar essa experiência, fazendo da infeliz solidão pretexto para duras brutalidades. É que não damos mais prestígio aos caprichos de ninguém. Não toleramos ver ninguém satisfeito só por que fomos e somos até então incompletos. Tratamos os outros como fomos tratados, matando a atitude gentil que nossa emoção ainda guarda na caixinha murcha dentro do peito. Não nos questionamos se em algum momento também fomos acariciados pela rara gratidão. É difícil perceber, mas a grosseria é deselegante, suja como a violência. O descuidado com a palavra é a estupidez cega e ingênua. Não percebemos o lodo acumulado nos cantos das nossas ações. Não estará visível aos nossos olhos que o que fazemos é reflexo do revidamento e da auto compensação. Esquecemos a paciência como se esquece um aquário, acumulado ódio em suas paredes, apodrecendo a paisagem e contaminando quem entra. Que surpreendente seria receber desculpas de alguém que se ausentou, mas agora aparece com intenção de ficar. Mas que surpreendente, tanto quanto, é procurar aquele que a gente esqueceu, mas nos perdoou pelo abandonou com um abraço. Que lindo seria receber flores agora! Mas que lindo, tanto quanto, é dar flores para alguém em qualquer momento. O problema da beleza é que ela vive recuada e quando aparece, exige o seu valor. Da mesma forma como gostaríamos de receber o “carinho” de um buquê de flores, deveríamos dar a nossa "valiosa" companhia.
Da flor ao Chorume retrata meu lado literário e retrógrado pela confusa intenção de se autojustificar, traduzindo e condensando minhas opiniões filosóficas e comportamentais a fortes palavras de fúria e de alucinação. Deve ser triste demais precisar e não ter ninguém com quem contar. Entre o passado e o futuro há o presente. Entre o chorume e a flor, uma esperança.
9 de janeiro de 2017
Reflexões sobre as merdas sem dono
A adolescência talvez seja a fase da vida em que mais falhamos no comportamento, tudo porque é nesse momento em que mais acreditamos nas próprias convicções.
Temos certeza absoluta sobre quase tudo daquilo em que vivenciamos quando criança ou que descobrimos recentemente.
Na adolescência é muito complicado abrir mão de certas razões e se transformar, pois o processo dessa época é o de grandes descobertas, mas de poucas experiências.
Somos seduzidos facilmente pelo o que é usado e falado em meio a grande maioria.
Mudamos de opinião então, com muita rapidez, seguindo tendências que fazem parte do espetáculo.
A rebeldia é um exemplo claro que condiz com a incapacidade de no memento da jovialidade negar qualquer sugestão que não seja a que satisfaça o próprio entendimento.
As exigências nessa fase são enormes ao passo de artifícios extremos, drásticos e violentos serem necessariamente usados com objetivos de atingir algum resultado.
Mas mesmo depois de adulto, cheio de traumas, sucessos e fracassos, conseguimos fazer grandes merdas agindo por impulso, sendo mesquinhos, ou completamente impaciente.
Até depois da adolescência somos capazes de cometer os mesmos erros, caindo no mesmo buraco. Pois com a vida adulta, mais do que nunca, queremos rápido o reconhecimento, o prestígio, o respeito e, em vários momentos, repassar a brutalidade da dor e do aprendizado para frente.
Descontar nos outros nosso rancor e a pena que temos das nossas feridas não deixa de ser uma forma infantil e desgovernada em conquistar poder pela força da ignorância.
Sempre assim, nunca percebemos antes ou de imediato as pisadas na bola, as mancadas, os vacilos, as bosta que, se fizessem conosco, jamais aceitaríamos. Não damos conta de reparar o quanto dizemos não ao invés de sim.
As merdas nunca tem dono.
Mas pior que fazer merda quando jovem é fazer depois da maturidade. Tão ruim que a própria maturidade é questionada.
Meditamos em cima do arrependimento se realmente crescemos. A vontade de se isolar é a vergonha de uma consciência clara a respeito das atitudes outrora infantis.
Reflexos da inépcia que temos em crescer sem aprender a saber esperar ou pensar antes de agir. Super natural. O que não é natural é morrer sem reconhecer isso. Quando alguém erra conosco e, sem clemência, desejamos retorno. A vingança é uma rebeldia dos adultos.
E como explicar a insistência de alguém? De não parar de jogar no bingo dos problemas. De ser simpático com os próprios defeitos e sempre recepciona-lós com o triste cházinho da decepção.
...o que sei até agora é que para não errar é preciso ter errado muito. E como dizem por aí, gosto é gosto: tem até gente que gosta de comer a própria merda.
Que volte a ser, permanecendo como está
Haverá uma casa favorita em nossa imaginação.
Haverá a lembrança do lugar por onde um dia caminhamos.
Haverá nos olhos o cheiro de lodo esverdeado que banhava o gigantesco quintal da infância.
Na menina dos sonhos, dependurada a faixada do velho portão.
A garagem suja de folhas secas é recorte das gostosas lembranças.
O pó até contaminou o brilho. Mas os dois ou três passarinhos restantes preservam a memória do conforto.
Tipo de tranquilidade só alcançada naquele lugar. Naquela casa hoje estranha e abandonada.
Naquele jardim descuidado repleto de bichos conversando entre si.
Dentro da casa reina o silêncio de espíritos, mas diante do dia ensolarado a luz renasce a esperança da limpeza.
Surgi a vontade de misturar sabão na água fazendo a casa embriagar-se de espuma.
Viciamos no látex pra fazer companhia a paredes maltratadas.
Brincarmos com argamassa como se brinca com argila, tapando os buracos da história.
A placa de vende-se manteve a cor original castigada pelo tempo.
Da dó de injetar óleo nas dobradiças enferrujadas da portinhola. O barulho assombroso é a campainha dos fantasmas.
A sujeira da janela decora com horror a visão do mundo, mas, por trás do circulo limpo com álcool, é possível se encantar com a beleza da vizinhança.
A rua é onde se compõe a ternura do sossego. Um silêncio absurdo. Uma paranoica tranquilidade.
Os vizinhos, durante a semana, são indiferente, estão muito ocupados.
Desejará folgar na semana. Mas curioso, final de semana talvez escutará um bom dia apressado, um coral de saudações, a família partindo para um lugar que possivelmente seja tão bom quanto aquele, todos com cara de que estariam prestes a aprontar algo de errado. Despertará uma inconveniente curiosidade: para onde vão?
Passar o domingo na cadeira de balanço e não fazer questão de procurar outra diversão.
A casa é um arco íris de comodidades.
Depois de tudo, dos ligeiros assaltos a geladeira, dos chutes na bola pelo corredor, de lavar o carro e escorregar no chão molhado. Depois de cozinhar, comer, largar a lousa sujar, mais tarde sentir remorso e lavá-la, ir ao super mercado, ligar o ar condicionado e botar um ótimo som, ainda haverá um quarto e o imenso colchão pronto para absorver o choro da alegria não descoberta.
Às vezes o tédio é felicidade, mas a gente não percebe. Está na memória dos lugares favoritos, que antes faziam parte da cansada rotina e hoje será sombra aos inúmeros traumas.
Quem esperava pelo retorno
Quando você faz o mal para alguém que também te fez o mal, é curioso porque sempre a pessoa diz que já esperava pelo retorno. Vendo essas situações, fico quase convencido de que as pessoas sempre sabem quando estão erradas.
Ao moralista religioso
Moralista religioso para vir falar de fé comigo tem que ser exemplo, porque senão vai ouvir verdades mundanas sobre si que nunca imaginava. Sinceridade é pouco para falsos profetas que se quer conhecem o livro onde estão escritas as suas próprias leis.
Quando tudo se encaixa
Parece uma necessidade sufocante desvendar os mistérios da indiferença no relacionamento amoroso, ainda mais nos momentos mais enigmáticos, quando temos o silêncio aparentemente como única resposta.
O fim da relação chegou, mas a reconciliação não, e você não sabe o por quê. O reencontro foi possível, mas o beijo por dentro não, e você não entende a razão. O abraço está a um passo, mas a mão está numa outra dimensão que você não alcança.
Embora se sinta culpado, o julgamento não é claro, as palavras não parecem sinceras, já não há mais paciência e o diálogo termina sempre em solidão.
Você quer dizer sim, mas, muito antes de falar, engole chorando um não como resposta. É uma saudade inimiga. É uma briga sem voz. É um castigo sem fim.
Acreditar que tudo faça parte de uma vingança seria banalizar o sofrimento! Acreditar que todo o medo nos olhos do outro seja reflexo do ódio vagando pelas sombras da amargura seria o arrependimento batendo em sua porta!
Então, sugiro que converse com o tempo e se distraia com as nuvens.
Confesso que não será possível sozinho adivinhar os acontecimentos. Confesso que pela mera percepção não será possível desvendar os reais motivos da distância e do frio que há entre vocês. Confesso, realmente confesso, que não será fácil obter tais informações sigilosas, ocultas pela alma da vergonha.
Mas uma esperança é condigna: uma hora tudo se encaixa! A verdade surgir com uma espada gloriosa, que lhe dará o triunfo de se reconhecer novamente. O sorriso é bobo, porque a dúvida fica, se você com tudo venceu, ou perdeu, ao ser largado sozinho no campo minado da rejeição.
É aí que você se deita e volta a respirar pela primeira vezes fora dos aparelhos do entretenimento. Você larga o vício. Cancela a balada. Abraça sua mãe (ou alguém íntimo) como convite para uma boa fofoca.
A sensação é semelhante a liberdade depois da detenção. Parece um xarope doce que cai em sua boca seca e escorre pela garganta inflamada.
Mas quem não se modificada ao obter respostas? Mas como não se perturbar diante da luz? E quem não se altera vendo um jogo finalmente acabar revelando o resultado?
Pois é assim, quando tudo se encaixa você percebe que não vinha de você o problema, mas sim de outra pessoa. Quando tudo se encaixa você nota que do baralho você é a carta que ficou de fora, mas guardada para ser chamada numa próxima rodada.
Você é a peça que foi tirada do tabuleiro, a bola removida da mesa, o dado que não foi lançado.
Quando a vida do outro seguiu, mas estagnados permanecemos aqui.
Essas coisas raramente acontecem sem motivo alheio a nossa convencida criatividade.
É por que muitas vezes nos convencemos que o problema é nosso, quando na verdade o problema se quer passou pela nossas mãos. O problema já está nas mãos de outra(o) a tempos. O problema já faz parte de uma história diferente em que você não é personagem. O problema já é outro jogo e está num nível muito além do que poderia imaginar.
Entretanto, é importante saber que ser descartado não significa ser esquecido.
Desmoralização da tristeza
O problema é que eu falo. Minha verdade. Cada qual como pode. Cada qual como quer. Como sente. Sentir é o que se sente, o tempo todo. Para. Pensa. Deseja. Mas não fala. A mente não deixa. Junto, a experiência. Da derrota. De tentar. Se frustrar. Não falamos. Uma questão de vergonha. Mas se você se constringir e se rebelar, prova de que é você quem errou. Só faz barraco quem errou. Quem não erra se amedronta. Desiste. Uma questão de injustiça. Da genealogia da moral que Nietzsche nos trouxe. Um raro problema é que eu falo. Eu falo o que penso. Alguns ou muitos não têm essa coragem. A dor da solidão os impendem. O pânico da represaria os limitam. Nossa consciência não tem culpa. Me ajude a chorar. Não entendo as tristezas do mundo. Claro que cada um faz o que pode. Claro que cada um tem seus defeitos. Claro que por conta de te amar eu sofro. Como a menina ao lembrar do garoto de olhos claros no fundo da sala. O desgosto de vê-lo correr pelo pátio sem percebe-la. O pai que sai do caixa eletrônico com salário no bolso e é surpreendido com um tiro no peito. Quem falará por ele senão talvez os céus retribuindo com lagrima fria, bate na pele e sente na carne. Sentir é o que se sente, o tempo todo. Ódio. Soberba, até mesmo estando errado. Não é fácil errar. Desonra quem achávamos que éramos. Ser flagrado na cama com outra e continuar amando, amar mais. Amar melhor e se arrepender do que foi bom. Liberdade ou Justiça?
Humildade
Ao lermos o Evangelho, a palavra oferece o entendimento de que Jesus é Deus e Deus é Jesus. Assim, não seria Jesus um representante, nem um pombo. Não vejo como separa-los, senão defini-los em um único momento da história quando Deus escolhe se encarnar. Agora surge então uma questão primordial, por que Deus resolveu virar carne?
O próprio Evangelho explica que a vontade de Deus era se mostrar, fazendo contato conosco. A verdade é que somos tão pequenos e frágeis que Deus decidiu criar da sua própria substância sua miniatura, que fosse capaz de fazer uma ponte entre o homem e Ele na totalidade. O objetivo maior de Deus era mostrar através de Jesus os valores que ele desejava que a humanidade seguisse. Jesus foi o perfeito exemplo da procedência de um homem cristão. Trata-se de um imenso gabarito divulgado pelo próprio Deus de como deveria ser o ideal de uma vida cristã, e só por isso nos interessa o Evangelho.
Mas o curioso é que Deus não queria que fossemos como ele, pois ele sabia que éramos falíveis, incompletos, passíveis do pecado. Jesus era o ideal, e servia apenas como referência, já que ao homem era e continua sendo impossível a perfeição. Para tanto, Deus ao virar carne rebaixa-se ao nosso nível e nos encontra, dando comunicado ao valor mais importante da doutrina cristã: a humildade.
Ela, a humildade, faz referência à virtude de reconhecer que não somos perfeitos e que podemos abrir mão do nosso eu em nome do outro. Devemos aceitar que não somos completos e que o erro bate em nossa porta sempre. Deus então não só pregava isso como fez isso. Virou carne e se rebaixou por nós, mostrando que se até ele escolheu abrir mão de uma parte dele para que, vendo seu exemplo, possamos sobreviver, quem seriamos nós para quereremos derrubar o mundo em nome dos nossos apetites pessoais?
Feliz Ano Novo
Final de ano nem sempre é uma data a ser comemorada pelo fútil e simples fato de se iniciar um novo ano. Às vezes, pouco importa a nova etapa quando lembramos que nenhum problema passado de um dia para outro irá embora com o início de um novo calendário. A entrada de uma nova época muitas vezes nada diz a respeito da superação que demandamos após o transcorrer de árduos doze meses perdidos ou esquecidos. A contagem regressiva é cínica, quase insignificante. O ano "velho" de velho nada terá; constante, presente e atual nas próximas fases desconhecidas e supostamente inseguras da nossa vida frágil. De todas as incertezas, na consciência a saudade talvez seja o que mais pese, podendo perder para o arrependimento, que andam de mãos dadas. Não estou falando do sortudo, do bem acompanhado, do que vive na glória. Falo daquelas em que o lamento será perene por não ter insistido mais, ou por se quer ter tentado. Falo sobre aquele que sentirá uma saudade imensa das oportunidades que perdeu, somente agora, nítidas ao olhos da memória. Passará por horas fundas e escuras de um oceano infestado por lembranças mortas, porém, perambulantes à beira dos sonhos. Chorar será apenas o começo do processo doloroso de remorso, que corroí o estômago inchado pela ceia de natal. Quem dera fosse possível apagar todos os males de um passado inútil? Quem dera fosse possível descansar na esperança de um ano melhor, mas já não somos crianças, a vida tem mostrado a lição de não se iludir. Quando o medo é acalentado pelo carinho do parente ou amigo mais próximo. Mas não é possível escapar das frustrações por completo, mesmo diante do consolo vindo de mãos aconchegantes que secam nosso rosto úmido e salgado, sabor do desgosto. Ela insistirá a noite, a noite toda, até o ponto mais crítico, exatamente quando à frente de tantos sorrisos você se verá obrigado a disfarçar, posando uma boa impressão. Feliz ano novo para você que não suportar a realidade e decidir se fechar, trancando-se no quarto enquanto sobe fumaça lá fora. Feliz ano novo para você que perdeu todas as esperanças, inclusive a de morrer para despertar num paraíso tranquilo, livre de preocupações. Feliz ano novo para você que se lembrar do seu antigo amor, saiba que aquilo que a gente não esquece nem sempre é o que nos define, podemos ser melhor (ou pior) que nossas recordações. No desespero, lembre-se de não se sentir mal por ter sido mau: é do mal que nascem grandes transformações. Não acredite em prosperidade: a vida é a coisa mais sem graça do mundo porque não há tantas surpresas assim como pregam por ai. Feliz ano novo especialmente para você que se sentirá péssimo, porque felicidade é uma praga e se você estiver triste às zero horas será por que de alguma forma não a obteve, sem se conformar com a tristeza que é cotidiana independente do tempo. Aproveite sua virada, grandes verdades costumam surgir nesse momento, mas não se sinta sozinho quando elas aparecerem, quem sabe não sofreremos juntos, caídos, na vala da nossa percepção derradeira.
Vigarista Doméstico
No relacionamento sempre tem o mais folgado, a desgraça da relação. Sempre ri das suas próprias barbaridades, como se fossem atitudes normais e irrelevantes. Não se importa com o outro, vive a sombras da impunidade. Não os distraídos, mas os folgados, os que adiam eternamente uma tarefa para não ter trabalho. O que entra no quarto desesperado à procura de algo, revira roupas e calçados sem a menor consciência, depois sai deixando tudo como está. Mas a pior parte não é encontrar tudo bagunçado, mas ouvir a canalha dizer “não foi eu!”. Pessoas assim deveriam ser indiciadas pelo delito do desrespeito ao companheiro. Pessoas assim deveria ser obrigadas por lei a arcar com todas as custas e ônus do divórcio. Pessoas assim deveriam ser discriminadas como são as que perdem seus direitos políticos, mas neste caso perder os direitos amorosos, e por um tempo carregar em sua ficha o antecedente criminal de vigarista doméstico. Não é certo viver assim. Enquanto você se esforça em organizar, o outro aparece para desfazer. Enquanto você passa o tempo consertando, o outro se diverte destruído. Não é certo acorda e achar as meias com pares trocados por que o “amor da nossa vida”, atrasado, usou o que é seu sem perceber. Não é certo ver suas camisas sendo utilizadas como pijamas, como pano de chão, como refresco épocas de calor. Não é certo nem higiênico dividir a escova de dente por relaxo do outro em não trocar a dela já desfiada. Quem não tem o direito de ficar irritado quando seu companheiro vê a louça totalmente lavada e mesmo assim faz questão de sujar tudo em 5 minutos? Ou você está cansada de arrumar a casa, vem o cretino, come, dorme e a primeira coisa que faz quando chega é largar seu sapato fedorento na sala? Aí da mulher se reclamar! A resposta é imediata: "Tá de TPM". E a porra do cachorro, quando a namorada insiste querer ter um em casa, mas não coloca água, não compra ração, não limpa a merda, não leva para passear, não educa a urina, só brinca, porque brincar é fofo e fácil assim como se vê a bebê recém nascida do vizinho ao lado. Essa pessoa da relação é a preguiçosa, maldita, que até na separação não economiza lenço de papel e hipocrisia. Se separou mas não deixou a casa. A pergunta é o que fazer? Aprendi a não aceitar fim parcelado, o ódio por essas pragas não tem promoção.
Estilo Sagaz
Em que medida a agressividade do homem é afrodisíaco aos desejos feminismos? Até que ponto o estresse masculino excita a mulher heterossexual? Um rosto louco, uma sobrancelha raivosa, traços firmes, corpo grande, queixo enorme, barba grossa, olhos pequenos e um sorriso malicioso encantador. Sagaz, misterioso, violento, materialista, discreto, vingativo, astucioso, cheio de ambições com quase nenhuma moral.
Um exemplo masculino é o moreno, sem camisa e tatuado. Portando roupas de grife, artigos de luxo, produtos dos mais caro. Tem cordão de ouro. Para em cima da moto com óculos escuro. Fala com voz rouca, um discurso marginal de intensa disposição. De carro, os vidros são baixos, mas o som é lá no alto. Está antenado as melhores tecnologias do momento. Preocupar-se tão somente com o que lhe agrade, o resto, que se exploda.
O Funk Carioca denota esse perfil despojado em suas letras agressivas. A pornografia usada na composição das músicas revela as vontades de um sujeito em se ver livre diante de inúmeras possibilidades. As batidas dão corpo a ostentação exacerbada, a exposição de bravura e de sexualidade. Melodias capazes de colocar em ritmo a potência de agir em prol da concretização de perversidades, abusos e aventuras. A ideia de uma vida perigosa e sem limites é central na personalidade exploradora, entretanto, quase sempre machista, prepotente e arrogante.
Em que limite a mulher achará agradável ser chamada de cachorra? É interessante para ela a generalização dá sua intimidade? Será que tudo isso só seria possível devido a alguma forma de embriaguez? Será que o uso de drogas não seria o responsável pela ousadia? Não é fácil a um corpo humano rasgar as noites em claro. Não é simples a uma vagina suportar inúmeras penetrações num mesmo dia. Não tem como naturalmente, sem barganha, um homem convencer várias meninas a entrarem em seu carro com fins de ostentação; nem seria possível sóbrio, ele conquistar as mais gatas do role, sabendo que longe dali teria outras preocupações relacionadas a variados problemas, sejam amorosos, financeiros, familiares.
Todavia, é admirável a força empreendedora desse estilo sagaz, também muito condizente com a mulher atual: despreocupada com tabus, consciente da suas opções, margens da garantia de ser desejada. Talvez um dos maiores tabus que a mulherada ainda não conseguiu se desvencilhar: necessidade de ser desejada, sentir-se atraída e segura na companhia de alguém. O homem sagaz quem sabe não seria a personificação desse indivíduo que embora promíscuo, seja imbatível e protetor. Será provedor de garantia e conforto dentro de uma possível relação que também será fruto de um tenso desafio para ela. Reside aí então a dúvida de quem seria a mulher sagaz no meio do caos das poucas diferenças.
Entregue o rascunho
Ao passarmos pelo ensino básico, com fim de nos prepararmos para algo superior, o professor de redação nos ensina primeiro a vomitarmos tudo o que vem a mente sobre o assunto. Só depois, tende-se a pegar tudo do caos e juntar isto a ter haver com aquilo e aquilo com isso, de tal maneira a fazer com que esse tudo agrupe-se em algumas ideias que serão os parágrafos da redação. Sem falar na obrigatoriedade da proposta ser organizada entre um início e um fim. Assim, a redação final dependeu de um trabalho lógico racional que vieram a consciência em forma bruta.
As nossas ideias cruas estão muito além da composição prática que nos é imposta. Sobre aquilo que vem a cabeça sem o menor filtro por cuidado é exatamente a nossa essência e originalidade. Sobre aquilo que falamos sem ponderar muitas vezes nos custa caro, mas é justamente a nossa carne em decomposição, sem os disfarces do perfume ou do tempero padronizados pelas exigências da sociedade. Talvez seremos julgados como loucos, mas será esta "demência" a energia da nossa alma. Por isso é que admiro a pessoa nervosa, assustada, triste; suponho que seja desse "descontrole" e vulnerabilidade a demonstração genuína do rascunho de si.
Quando a ex te procura para transar, mas fura em cima da hora
A vida é uma caixinha de surpresas. Uma hora a gente tá bem outra hora a gente tá mal. Quando a gente tá bem não é estranho faltar com atenção as outras pessoas, mas quando estamos mal a gente lembra, sente falta, se arrepende. Procure fazer coisas das quais você não irá se arrepender. Você pensou melhor, desistiu do encontro, isso não é problema, acontece, somos pessoas e temos sentimentos às vezes confusos. Mas não mandar sequer uma mensagem cancelando! E se fizessem isso com você? O mesmo que você fez comigo agora? Porque numa situação como essa, um simples aviso evitaria todo o desgosto que você só irá perceber quando me procurar novamente. Um dia me chamou de criança por olhar nos seus olhos e dizer não, mas e agora? Como devo te chamar? Seu candomblé tem uma raiz profunda na lei do retorno, na época da escravidão os negros tinham a coragem de lutar e se libertar, mas não deixavam de dançar e cantar porque esperava-se, a cima de tudo, por um milagre de paz, sem massacre, sem sangue, o quilombo foi o único fim da gota, mas a tradição permaneceu principalmente no espiritismo, onde é muito claro a doutrina que a vida dá gente às vezes só não vai para frente por passar a maior parte do tempo praticando o mal. Veja você, já não é mais adolescente, sem faculdade, morando de favor, sem condição de se auto sustentar, sem instabilidade financeira, sem profissão, com a carteira registrada a anos numa categoria de trabalho extremamente desvalorizada no Brasil que é o telemarketing, sem ânimo de adquirir conhecimento pelo esforço individual de estudar sozinha, e por que tudo isso? Por que os anos passam e nada muda na sua vida? Será que não chegou a hora de você mudar? Dar ouvido as pessoas certas. Se esforçar mais. Colocar em prática as coisas das quais você diz acreditar. Pensar antes de machucar alguém.
Oração de Amor
Peço que me abençoe e me proteja, me guie e me guarde.
Esteja comigo onde estiver, lugares tortuosos ou subliminares, sempre desejarei ser regido com a sua unção.
Esquente-me no frio, assopre o ardente, das feridas profunda da minha carne.
Ilumine minha alma, enriqueça minha mente. Perfume dos céus. Amizade mais pura. Peço que me eleve o quanto antes, pois minha vontade aqui não dura.
Que seu brilho seja sincero. Que seu corpo seja tão quente. Glorificarei você por estar intimamente presente.
Louvo sua companhia e espero com calma. Breve será nosso encontro coberto por palmas.
Jamais me abandone. Nunca me esqueça. Que sua graça me dê força. Que suas mãos me salve da loucura da enxaqueca.
Traga-me paz. Ventos de trigo. Terra de chuva.
Quero andar seguindo seus passos. Quero estar sob a sua luz forte. Espero ansiosamente por você, que se incline para mim e ouça o meu clamor.
Espero que não demore a me livrar do dia do mal. Conto contigo, meu refúgio, minha fortaleza, meu socorro bem presente na angústia.
A minha alma somente te espera, sabe bem que vem dai a salvação.
Por que sou eu quem habito no esconderijo da esperança. Assim confio e não me abalo, ao contrário, aqui permaneço para sempre.
Espero que grandes coisas faça por mim, por isso aguardo alegre. Tudo o que te parece é o que se deve guardar, guardei tudo então no meu coração, pois dele procedem as saídas da vida.
E que ninguém me impeça de tentar e querer e tentar e fazer, pois ainda antes que houvesse dia, eu te procurei; e ninguém há que possa fazer escapar das minhas mãos essa vontade; agindo eu sem desistir, quem a mim impedirá?
Procuro sem parar, procuro enquanto é tempo, enquanto se pode achar, enquanto sinto estar perto. Mesmo que canse e oprima, sei que me aliviarei.
É o que desejo, é o que mais quero, conhecer você e me libertar, porque eu estou bem certo de que nem a morte, nem a vida, nem a humildade, nem as vaidades, nem as coisas de agora, nem do porvir, nem as autoridades, nem as arrogância do inalcançável, nem a profundidade do medo, nem qualquer outra criatura sem compaixão, nem minhas falhas de não resistir imaginar seu corpo macio e cheio de graça, nem meus pecados de desejar seus pés em minha boca e sua mão pequena agarrando o meu duro prazer não poderão separar-nos do sagrado amor que sentimos.
Pois no dia da adversidade quero que me guarde protegido em sua habitação; na sua residência me esconderá e me porá em segurança sobre seu fofo edredom.
Uma última coisa que peço a você meu grande amor, que eu possa viver em sua casa todos os dias da minha vida, para contemplar o encanto da sua beleza e buscar orientação no seu astucioso equilíbrio.
Qual sua expressão?
Onde está a emoção dos seus sentimentos? Seu cachorro morreu e você chorou. Seu namoro acabou e você caiu, sem vontade de se levantar. Você se emociona com o final triste do filme e conta isso para quem? Onde estão as cores fortes da sua dor? Quando você perde o emprego. Quando você não encontra o seu par prefeito. Quando você não emagrece. Mas quando a vida dá certo, você aproveita o som alto da água para cantar em baixo do chuveiro e não revela a voz aguda da sua euforia por quê? Só faz arte quem não separa a felicidade da tristeza. A beleza surge quando é possível conciliar uma com a outra. Mas você lê uma história emocionante e se coloca no lugar dos atores, resta saber afinal onde estão suas lágrimas nas páginas da sua vida. Você se empolga dançando sozinha, mas cadê essa energia refletida nos olhos dos que optam em ficar parados. Onde está sua história que nos sirva de exemplo e nos sensibilize a mudar de opinião? Onde está você para me contar as novidades da sua alma? Onde está você para dividir comigo seus planos de vingança? É você na foto de perfil? Precisou de quantas para escolher essa? Não se incomoda em precisar sempre filtrar o melhor de você? Não gostaria de optar, nem que seja uma única vez, pelo pior caminho, já que os melhores têm sido eficientes mais em esconder do que em revelar? Por que recuar? Não precisa ser rico para desabafar. Não precisa ser bonito para ser criativo. Faça uso do seu momento mais deprimente, desistindo jamais de tentar. Tente me ensinar a nadar. Convide-me para correr. Se disponha a cantar. Ensine-me a pintar quadros ridículos, e depois chamar de arte. Me ajude a chorar. Me ajude a escrever. Ensine-me os caminhos do seu coração. Ensine-me a se concentrar na cozinha sem olhar para sua boca. Ensine-me a ter paciência com sua tristeza continua, podemos morar nela se lá tiver terra para flores e árvores. Quero aprender a dançar olhando para os seus pés. Quero aprender a descansar olhando as suas mãos. Quero que corrija meus defeitos. Quero aprender rápido a viver, sem medo de assumir que errei, sem medo literalmente de errar. Não fique parada. Não limite sua vida. Estarei sempre por aqui, esperando você me ensinar para aprender ou querendo aprender para ensinar.
Panetone
O programa de TV sensacional de domingo que dá uma casa para você lucra com a sua participação a audiência da humanidade. O programa do Luciano Huck que reforma o seu carro não mostra os enquanto milhares que não conseguem se quer comprar o seu. O esquadrão da moda que impõe o que você deve vestir só o faz porque custeia tudo que você não conseguiria pagar. Instituições e artistas milionários oferecem uma cesta básica a uma parcela minúscula de sem tetos e esfomeados para dizer que possuem também um papel social. O funeral pago pelo estado é um presentinho dado ao morto que foi explorado a vida toda. O prêmio do melhor funcionário do mês, a foto no rol da empresa, a comissão, a participação nos lucros, o décimo terceiro, são dados para enganar a maior humilhação de se ter trabalhado muito além do ridículo pagamento recebido. As promoções, as ofertas, os black friday, criados pelo empresário, são formas de encobrir o real aumento abusivo dos preços e ainda enganar o consumidor oferendo em "edição limitada" falsas vantagens. O bolsa-familia do Lula foi o mínimo que ele fez com tanto poder, e não fez mais por quê? São milhares e milhares de pessoas oprimidas e que alguns poucos dão a sorte de serem escolhidos para receber uma dose de anestesia que servirá como calmante geral a todos de um sistema desigual criado justamente por aqueles que oprimem e mantém o apodrecimento global, uns da carne, outros da consciência. A falsa generosidade vem sempre como doação.
Leve-me
Leve-me a sério. Não subestime a aparência infantil do meu amor nem banalize os excessos da minha solidão.
Minha carência pode deixar uma cicatriz, diminuir com suas esperanças, fazendo sentir-se perdida, sem ideia de como depois recomeçar.
Você será infectada pela maior saudade dessa vida e irei te convencer de que valerá a pena ser humilde até depois do fim.
Mas, quando esse dia chegar, falarei em seu ouvido que nada do que vive é motivo de embaraço.
Que não é humilhação correr atrás de mim, ao mandar mensagens e insistir de novo, tentar novamente, nem que seja pela última vez.
Você só se humilhará se estiver mentindo. Quem fala a verdade está em paz.
Você só se humilhará se oferecer o que não pode dar. Falsas promessas não duram uma semana.
Você só se humilhará ao perceber que está perdendo espaço. Amar é dar espaço.
Você só se humilhará quando não souber o que está fazendo. Quem faz o que deseja não tem motivos de se sentir na dúvida nem envergonhado.
Você só se humilhará se não tiver coragem de agradecer, mas no momento derradeiro, pedir desculpas, porque pedir desculpas é mais fácil, é agi conforme nosso desespero.
Você só se humilhará se acreditar que não há mais vida, não há mais ânimo, não há mais força. Amar é ser fraco, mas ser fraco juntos.
Amar é sofrer e ser feliz tudo ao mesmo tempo: a felicidade traz o esquecimento e o sofrimento deve criar coragem, mas não desanimar.
Só desanima quem nunca quis. É por isso que eu quero por antecipação.
Não se assuste com os meus planos. Significa que não terei vergonha do que penso e me entregarei por inteiro.
Ligações Perdidas
O telefone de Marcela tocou, mas a euforia não era de atender imediatamente, na verdade queria antes de tudo saber exatamente quem era. Já faz tempo que o som do toque não traz a lembrança de uma visita inesperada. Já faz tempo que a vibração da chamada não chega perto do coração, simulando o reencontro. Já faz tempo que as luzes da tela piscando não carregava a memória dos amigos chamando na porta de casa. Marcela não sente mais susto, nem frio na barriga, não faz nem distraída cara de espanto. No máximo, a sensação é de tédio pelo escândalo logo cedo do despertador aborrecido. Pode ser o ex , pode ser o atual, Marcela não se vê mais disponível para gente assim tão de repente. No caso dos pais, alguém da família, ou do trabalho, uma amizade extremamente especial, então aceitava, era tratado como algo normal. Se houver um padrão, se for da rotina, mas, de qualquer forma, tem que merecer estar na agenda. Para não ignorar, precisava ter certeza de quem era. A vida de Marcela o tempo todo era assim. O tempo todo se achando sem tempo de dar tempo a quem não merecia. Pensa que seria desperdício falar com alguém logo no meio do dia. Pensa que seria chato da parte da pessoa ligar sem antes avisar. Pensa que além de qualquer conhecido poderia ser também alguém totalmente estranho querendo oferecer algum produto completamente inútil. Dependendo, recusava e em seguida checava se existia algum aviso plausível para tamanha ousadia. Pensa que era quase um assalto do seu tempo precioso. Pensa que era a maior inconveniência a se fazer em plena manhã com alguém tão ocupado. Mas, as vezes, de tanta curiosidade, por egoísmo, mandava mensagem perguntando quem era. Outras vezes a falta de paciência era tanta que não perguntava nada, caia na lista de ligações perdidas, quem sabe deixando algo fútil que jamais será ouvido no correio de voz. Marcela é uma mulher moderna e se sentia muito atarefada para conversas sem sentido. Com isso, aos poucos seu telefone deixava de tocar. Foi-se silenciando, bem como suas convicções. Se sentia incomodada com a insistência duradoura de quietude do aparelho. Após muito tempo sem receber ligação, decidiu telefonar para o professor de dança da academia e confirmar os novos horários de treino. Por infelicidade, o professor não atendeu, estava em algum evento com a nova namorada. Arriscou contato com o amigo nerd da faculdade, na desculpa de perguntar sobre o trabalho, mas o assunto não fluiu, parecia complicado ou tarde demais mudar de opinião. Tentou falar com a melhor amiga e deu azar, o celular sem sinal, quem sabe jogado em algum lugar próximo à beira da praia. O menino que estava se relacionando era talvez a última opção, então arriscou, apesar de imaginar o longo diálogo. Fracasso! Telefone deu ocupado. Levantou da cama e correu pra o quarto da mãe desabafar. Tentativa frustrada! A mãe conversava no telefone extravagante e sorridente sobre a noite anterior.
Desistência
Tem dia que nem o sol ardente faz efeito sobre a pele. Você permite com paciência que os raios queimem seu rosto cansado. Você já não liga pra mais nada.
Tem dia que acordamos e percebemos as batidas do pisar estremecer o alto da cabeça. Sentimos os ventos, quando não nos empurram para trás, nos deslocam para os lados.
A imaginação começa desafiar as piores condições humanas, testando sua própria coragem.
Realmente seria insuportável sobreviver numa cadeia? Seria realmente doloroso envelhecer, adoecer e observar a morte chegar?
Nos sentimos já completamente feridos, sem a sensibilidade da dor. Nesses dias perdemos a preocupação com o futuro.
Tem dia que acordamos completamente sem fome. Completamente sem sede. Completamente sem vontade.
Já não importa sua condição. Já não importa os planos fracassados. Já não importa os quilos a mais que você averiguou na balança semanas atrás.
Tem dia que nem o cheiro de café é suportável. O pão se torna pedra. O leite vira água. A carne é sem gosto. A salada amarga, seca igual papel.
Você percebe que precisa se alimentar. Mas se a comida estiver ruim, não irá comentar com quem fez, não terá estômago para isso.
É quando você já não repara e nem faz questão se o dia estará muito frio ou muito quente.
Quando não escolhemos a roupa, saímos com a que estiver no corpo mesmo.
Não fará diferença se a chuva cair e você estiver no meio do nada, indo para o trabalho, em cima da hora.
Nesse dia nada mais o estressa. Nem o vendável que destruirá o penteado. Nem o calor que amarela os cantos da camiseta.
É simplesmente não perceber. Não se importar. Não falar. Olhar para os próprios olhos e se perder na imensidão do universo.
É querer que o dia termine logo para dormir e se esquecer.
É não querer reclamar. É não querer agradecer. É não se sentir feio, nem bonito, é se sentir nada.
Esquecer de todos e pensar só em você. Dar voltas em você, sem se questionar, sem se entristecer. É ficar parado ao seu redor.
Quando alguém falar, não ouvir. Quando ouvir, não responder.
Não é fazer pouco caso. É não ter mais força.
Se for trabalhar de carro, o carro é quem vai dirigindo, nesse dia haverá mais vida na máquina do que em seu olhar.
Os ombros caídos, segurando braços moles. Você descobre que, independente do seu desânimo, o corpo se arrasta, mas não para. Vai por conta própria.
Se for de transporte público, a janela vira travesseiro, o banco vira sofá e o percurso já viciado se torna curioso como uma viajem sem destino.
Pela manhã, os cumprimentos se misturam com bocejos, minúsculos gestos ou frases em vão. O sorriso a esmo é a única resposta às amizades, por mera educação.
Não é por mal. É que nesses dias acabamos por fazer nosso próprio luto. Permanecemos em silêncio pela falta de sucesso. Ficamos quietos por respeito as lutas sem glória.
É morrer, mas continuar vivendo.
O melhor é o que fica
Quando somos deixados a ideia de que não podemos fazer absolutamente nada faz-nos mergulhar num estado de sufoco mas, ao mesmo tempo, essa ideia nos tranquiliza com a sensação de alguma liberdade à frente. Por que então não confiar nesse alívio já que ninguém obrigou o sujeito a tomar a decisão de partir? Nem sempre precisamos ficar com os olhos fixos no muro do prédio, na parede do quarto, no espaço lá fora ou na tela do celular grudado nas mãos. Nem sempre é preciso ficarmos nos indagando se queríamos ou não conviver juntos. As pessoas decidem tudo por conta própria. Só que nem sempre percebemos isso, muito pelo contrário, olhamos para trás com fascínio, com remorso, quando deveríamos dizer que nosso caso não poderia ter terminado melhor. Se fosse inventado, não teria sido possível acabar de outra maneira. Um dia, a pessoa chegou em nossa vida sem ser convidada. Um dia, a pessoa parti da mesma maneira. Chegará com uma pesada mala. Com uma pesada mala partirá de volta. Pagará a conta, sairá do restaurante e irá dar uma volta pelas ruas, cheio de uma melancolia cada vez mais radiosa. Você será responsável? Atrás de si vários anos de vida com quem justo agora sente que não poderá sobreviver longe um dia se quer e exatamente agora perceberá que esses anos estão mais belos na lembrança do que no momento em que tinham sido vividos. O amor entre você e o sujeito era belo mas doloroso essa é a questão: era preciso sempre esconder alguma coisa, dissimular, fingir, retificar o que dizia, levantar-lhe a moral, consolá-la, provar continuamente que o amava, suportar as reclamações de seus ciúmes, de seu sofrimento, de seus sonhos, sentir-se culpado, justificar-se e desculpar-se. Agora, o esforço desapareceu, e só ficará a beleza.
As possibilidades diante do próprio desespero
Você namora, se envolve, faz planos, engravida e o homem se afasta. Você se sente sozinha, perdida e segurando um puta problema. O aborto sempre será uma opção! Por mais que seus princípios morais e religiosos sejam opostos a esse ato, você vai cogitar a possibilidade diante do seu próprio desespero. O avanço da tecnologia soma ao avanço da liberdade e padrões morais vão se desconstruindo assim como se desconstruiu o padrão de sexo apenas após o casamento, a negação religiosa do uso da camisinha, a negação religiosa do uso do anticoncepcional. A moralidade do "errado (ou não) abortar" um dia assentará a um pensamento quase unânime, com raras exceções. Pois um padrão só deixa de existir pelo surgimento de outros modernos , que correspondem às necessidades de? Eis a questão! Aí reside meu pensamento sobre o aborto: seria mais uma mudança na sociedade com fins econômicos? Uma mudança social voltada ao consumo? A mercantilização da vida dentro dos convênios ou das inúmeras clínicas legais e especializadas para o procedimento médico, a preços econômicos, dentro de planos básicos. Porque convenhamos de que não serão só as vítimas de violência sexual que farão uso desse direito e possibilidade jurídica muitoooooooo atrasados... Estará facinho, será só ligar e agendar... Fico curioso, pensar como serão as coisas mais para frente: a familiar é o mais intrigante, pois quê família? No livro Admirável Mundo Novo de Aldous Huxley a gravidez já é um vexame.
Quem fala?
Você sabe com quem está falando? Frase corriqueira em confusões nas quadras de futsal da região periférica de onde moro. A molecada solta com fervor a elocução de ameaça que impõe o seu poder. A negação de ser inferiorizado ou diminuído é traço marcante da cultura brasileira em todos os níveis. Você sabe com quem está falando? Eu sou o motorista do Ministro! Você sabe com quem está falando? Eu sou o vereador desse município! Você sabe com quem está falando? Eu tomava conta de uma fazenda de um coronel e hoje sou empregada doméstica de um diretor de uma empresa farmacêutica! A expressão por fim não deixa de ser um reflexo dramático daquele que deseja desesperadamente se separar da sociedade colocando-se longe ou muito a cima da fragilidade de ser quem ele é.
Zés Ninguém
Precisamos lidar com uma cadeia absurda de burocracias antes de conseguir solucionar um problema em repartições públicas. O jeitinho é ai um modo de sobrevivência do cidadão brasileiro. Quem não tem status para deixar de ser cidadão e passar a ser gente só encontra uma solução diante do marasmo das leis muito bem aplicadas aos Zés Ninguém. O Despachante é então aquele que irá resolver os problemas dos outros vendendo suas conexões sociais, suas relações afetivas e seus acessos à favores que não conseguimos, mercantilizando o respeito que sozinhos não podemos conquistar dos outros que não nos enxergam como pessoas. O Despachante é o malandro, profissional do jeitinho. Ele vende jeitinhos e terceiriza suas amizades influentes. Isso porque nem todos são malandros, nem todos têm o saco de enfrentar as inesgotáveis exigência de um sistema público, inchado de documentos e registros, mas se houver uma forma de pagar pela execução desse trabalho melhor. O Despachante é então um produto da nossa cultura.
Ser comum
Esse papo de jeitinho brasileiro parece ultrapassado, mas percebo que é pensar assim que revigora ainda mais nosso hábito de querer sempre se dar bem em tudo nada vida e ainda tentar apagar qualquer vestígio dessa vergonha em conduzi-la pautando-se inúmeras vezes pela troca corrupta de gentilezas. A nossa cultura é muito curiosa. Roberto DaMatta denúncia muito bem essa faceta brasileira de pensar que "Ser comum é ser inferior". Fez-me lembrar de uma situação muito clássica que é a fila do supermercado onde diz ser caixa rápido, para no máximo 10 unidades. Mas o brasileiro de fato acha que por ser 12, 15, 11, não irá fazer mal, não dá nada, não pega nada, suave, passa ai, rapidinho... e assim vai, da privada para esfera pública, sem o menor freio cultural.
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