O telefone de Marcela tocou, mas a euforia não era de atender imediatamente, na verdade queria antes de tudo saber exatamente quem era. Já faz tempo que o som do toque não traz a lembrança de uma visita inesperada. Já faz tempo que a vibração da chamada não chega perto do coração, simulando o reencontro. Já faz tempo que as luzes da tela piscando não carregava a memória dos amigos chamando na porta de casa. Marcela não sente mais susto, nem frio na barriga, não faz nem distraída cara de espanto. No máximo, a sensação é de tédio pelo escândalo logo cedo do despertador aborrecido. Pode ser o ex , pode ser o atual, Marcela não se vê mais disponível para gente assim tão de repente. No caso dos pais, alguém da família, ou do trabalho, uma amizade extremamente especial, então aceitava, era tratado como algo normal. Se houver um padrão, se for da rotina, mas, de qualquer forma, tem que merecer estar na agenda. Para não ignorar, precisava ter certeza de quem era. A vida de Marcela o tempo todo era assim. O tempo todo se achando sem tempo de dar tempo a quem não merecia. Pensa que seria desperdício falar com alguém logo no meio do dia. Pensa que seria chato da parte da pessoa ligar sem antes avisar. Pensa que além de qualquer conhecido poderia ser também alguém totalmente estranho querendo oferecer algum produto completamente inútil. Dependendo, recusava e em seguida checava se existia algum aviso plausível para tamanha ousadia. Pensa que era quase um assalto do seu tempo precioso. Pensa que era a maior inconveniência a se fazer em plena manhã com alguém tão ocupado. Mas, as vezes, de tanta curiosidade, por egoísmo, mandava mensagem perguntando quem era. Outras vezes a falta de paciência era tanta que não perguntava nada, caia na lista de ligações perdidas, quem sabe deixando algo fútil que jamais será ouvido no correio de voz. Marcela é uma mulher moderna e se sentia muito atarefada para conversas sem sentido. Com isso, aos poucos seu telefone deixava de tocar. Foi-se silenciando, bem como suas convicções. Se sentia incomodada com a insistência duradoura de quietude do aparelho. Após muito tempo sem receber ligação, decidiu telefonar para o professor de dança da academia e confirmar os novos horários de treino. Por infelicidade, o professor não atendeu, estava em algum evento com a nova namorada. Arriscou contato com o amigo nerd da faculdade, na desculpa de perguntar sobre o trabalho, mas o assunto não fluiu, parecia complicado ou tarde demais mudar de opinião. Tentou falar com a melhor amiga e deu azar, o celular sem sinal, quem sabe jogado em algum lugar próximo à beira da praia. O menino que estava se relacionando era talvez a última opção, então arriscou, apesar de imaginar o longo diálogo. Fracasso! Telefone deu ocupado. Levantou da cama e correu pra o quarto da mãe desabafar. Tentativa frustrada! A mãe conversava no telefone extravagante e sorridente sobre a noite anterior.