Haverá uma casa favorita em nossa imaginação.
Haverá a lembrança do lugar por onde um dia caminhamos.
Haverá nos olhos o cheiro de lodo esverdeado que banhava o gigantesco quintal da infância.
Na menina dos sonhos, dependurada a faixada do velho portão.
A garagem suja de folhas secas é recorte das gostosas lembranças.
O pó até contaminou o brilho. Mas os dois ou três passarinhos restantes preservam a memória do conforto.
Tipo de tranquilidade só alcançada naquele lugar. Naquela casa hoje estranha e abandonada.
Naquele jardim descuidado repleto de bichos conversando entre si.
Dentro da casa reina o silêncio de espíritos, mas diante do dia ensolarado a luz renasce a esperança da limpeza.
Surgi a vontade de misturar sabão na água fazendo a casa embriagar-se de espuma.
Viciamos no látex pra fazer companhia a paredes maltratadas.
Brincarmos com argamassa como se brinca com argila, tapando os buracos da história.
A placa de vende-se manteve a cor original castigada pelo tempo.
Da dó de injetar óleo nas dobradiças enferrujadas da portinhola. O barulho assombroso é a campainha dos fantasmas.
A sujeira da janela decora com horror a visão do mundo, mas, por trás do circulo limpo com álcool, é possível se encantar com a beleza da vizinhança.
A rua é onde se compõe a ternura do sossego. Um silêncio absurdo. Uma paranoica tranquilidade.
Os vizinhos, durante a semana, são indiferente, estão muito ocupados.
Desejará folgar na semana. Mas curioso, final de semana talvez escutará um bom dia apressado, um coral de saudações, a família partindo para um lugar que possivelmente seja tão bom quanto aquele, todos com cara de que estariam prestes a aprontar algo de errado. Despertará uma inconveniente curiosidade: para onde vão?
Passar o domingo na cadeira de balanço e não fazer questão de procurar outra diversão.
A casa é um arco íris de comodidades.
Depois de tudo, dos ligeiros assaltos a geladeira, dos chutes na bola pelo corredor, de lavar o carro e escorregar no chão molhado. Depois de cozinhar, comer, largar a lousa sujar, mais tarde sentir remorso e lavá-la, ir ao super mercado, ligar o ar condicionado e botar um ótimo som, ainda haverá um quarto e o imenso colchão pronto para absorver o choro da alegria não descoberta.
Às vezes o tédio é felicidade, mas a gente não percebe. Está na memória dos lugares favoritos, que antes faziam parte da cansada rotina e hoje será sombra aos inúmeros traumas.