Tem dia que nem o sol ardente faz efeito sobre a pele. Você permite com paciência que os raios queimem seu rosto cansado. Você já não liga pra mais nada.
Tem dia que acordamos e percebemos as batidas do pisar estremecer o alto da cabeça. Sentimos os ventos, quando não nos empurram para trás, nos deslocam para os lados.
A imaginação começa desafiar as piores condições humanas, testando sua própria coragem.
Realmente seria insuportável sobreviver numa cadeia? Seria realmente doloroso envelhecer, adoecer e observar a morte chegar?
Nos sentimos já completamente feridos, sem a sensibilidade da dor. Nesses dias perdemos a preocupação com o futuro.
Tem dia que acordamos completamente sem fome. Completamente sem sede. Completamente sem vontade.
Já não importa sua condição. Já não importa os planos fracassados. Já não importa os quilos a mais que você averiguou na balança semanas atrás.
Tem dia que nem o cheiro de café é suportável. O pão se torna pedra. O leite vira água. A carne é sem gosto. A salada amarga, seca igual papel.
Você percebe que precisa se alimentar. Mas se a comida estiver ruim, não irá comentar com quem fez, não terá estômago para isso.
É quando você já não repara e nem faz questão se o dia estará muito frio ou muito quente.
Quando não escolhemos a roupa, saímos com a que estiver no corpo mesmo.
Não fará diferença se a chuva cair e você estiver no meio do nada, indo para o trabalho, em cima da hora.
Nesse dia nada mais o estressa. Nem o vendável que destruirá o penteado. Nem o calor que amarela os cantos da camiseta.
É simplesmente não perceber. Não se importar. Não falar. Olhar para os próprios olhos e se perder na imensidão do universo.
É querer que o dia termine logo para dormir e se esquecer.
É não querer reclamar. É não querer agradecer. É não se sentir feio, nem bonito, é se sentir nada.
Esquecer de todos e pensar só em você. Dar voltas em você, sem se questionar, sem se entristecer. É ficar parado ao seu redor.
Quando alguém falar, não ouvir. Quando ouvir, não responder.
Não é fazer pouco caso. É não ter mais força.
Se for trabalhar de carro, o carro é quem vai dirigindo, nesse dia haverá mais vida na máquina do que em seu olhar.
Os ombros caídos, segurando braços moles. Você descobre que, independente do seu desânimo, o corpo se arrasta, mas não para. Vai por conta própria.
Se for de transporte público, a janela vira travesseiro, o banco vira sofá e o percurso já viciado se torna curioso como uma viajem sem destino.
Pela manhã, os cumprimentos se misturam com bocejos, minúsculos gestos ou frases em vão. O sorriso a esmo é a única resposta às amizades, por mera educação.
Não é por mal. É que nesses dias acabamos por fazer nosso próprio luto. Permanecemos em silêncio pela falta de sucesso. Ficamos quietos por respeito as lutas sem glória.
É morrer, mas continuar vivendo.