5 de outubro de 2018

     Herança genética é algo tão indefinido na transmissão, na forma, na semelhança. A sucessão hereditária não diz nada quanto ao que esperamos como sucesso. Várias famílias marginais herdeiras de grande sabedoria e elegância precedentes. Nossos antepassados foram apenas um ponto na reta ondulada que a vida se forma quando se cruza.

A Última Carta

      Sensação estranha saber que amanhã não estarei mais aqui. Ao lado dos impugnados, perceber destinos opostos, mas dores iguais. Ao crime e a vida minha poesia. Pois há um mundo em cada pedaço. Se aos avessos outros mundos não o nosso, o nosso é mundo como os outros do contrário não me oponho. O caminhão passou e a poeira subiu, constelações eu respirei e nos tecidos pulmonares estrelas engoli. Pedras preciosas, ouro, água, gás, se fundiram a minha carne e como um furacão eu as repeli sofrendo a dor da repressão. No catarro e na lágrima expressões de uma cultura. Na matemática e nos mitos segredos escondidos. Mas na hora fatal, todas as verdades girando na boca do estômago. Entre algemas e crachás, paz, justiça e liberdade. A literatura brasileira por muito tempo em meus olhos refletiu. Eu vou, mas a cultura fica. Por sorte, bem como o sol nasce, o futuro acresce.


8 de setembro de 2018

Luz das Trevas

    Lembro que lá na infância, em temporadas de chuvas, ventos alarmantes ameaçavam nossa casa a arrancar nosso telhado. Eram grandes vendavais, tempestades caóticas e de granizos, então nos dividíamos em grupos: os que riam da chuva e os que se preocupavam com a chuva.
    Meus pais corriam para ajudar a fechar as janelas e venezianas, a colar panos por de baixo das portas, se esconder na sala, apavorados com os relâmpagos. Imaginavam o pior, o destelhamento e a morte por pedras. As paredes choravam, a sensação era a do fim.
    Já eu e meus irmãos, às vezes até o meu pai, nos dirigíamos para a varanda como se fossemos passear. Olhávamos atentos ao desespero da natureza. Com os pés molhados, sorriamos para a fatalidade. Aplaudíamos o show e a orquestra dos ventos. Barulhos cósmicos entre pontas e blocos, estalos de cimentos e vigas, latas e postes gritando, arvores e carros rasgando o espaço e o espaço grunhindo desespero.
    Adorávamos os pulos das folhas pela a mesa, as cambalhotas dos galhos e da chuva, os bônus do pipocar dos fios nos postes. A água refrescava nosso rosto, gelada como muitos corações. Havia uma cumplicidade com o céu violento, pois os raios não assustavam, mas iluminavam nossas faces cômicas e debochadas de ansiedade feliz pelo espetáculo nervoso da natureza. Ríamos de nossa coragem, enquanto os familiares gritavam em desespero para que a gente entrasse logo, que parasse com aquela brincadeira estúpida.
    O amor é assim. Há quem teme a chuva ou quem se joga para vê-la na sacada. Não adianta tentar ensinar alguém a amar o furacão. Não adianta fazer quem gosta de participar das trovoadas se recolher para da sua casa. Como diz o grande poeta Fabricio Carpinejar: “Os opostos não se atraem. Os opostos disputam quem tem razão”.
    Eu e ela somos assim, diferentes em tudo, mas iguais no que mais importa: a coragem. Não daria certo nos juntar se um fosse travado e o outro intenso, aquele que pretende controlar os fatos e o que pretende inventar algo muito mais além. Um irá parar de repente, e o outro irá acreditar na companhia para o espetáculo. Não haverá companhia. Não haverá espetáculo. Haverá nada.
    Poderei desejar carregá-la que ela cansará do mesmo jeito. Ela poderá querer explicar que não é necessário ter medo, que não acreditarei. Enquanto um exclamar “venha brincar na chuva” o outro se trancará no quarto esperando que a desgraça passe.
    Quem quer estar junto ou correrá junto ou sentarão para a morte e nenhum dos dois se sentirá desacompanhado. Quem quer estar junto terá pressa, terá fúria, como num desastre será ou amar ou perder, será ou arriscar no sucesso ou aceitar o fracasso, juntos tendo o mesmo gosto pelo imprevisto, o mesmo susto de ser.
    A luz das trevas iluminam os corajosos.

A Busca pela Verdade

     A como seria bom viver tão somente pela graça. Como seria bom viver com dignidade por apenas seguir um conjuntinho de regras. Mas não é tão simples assim. A graça não existe sozinha. Ao lado dela a natureza atua e atua forte. Não deixa espaço para contradições. Não permite dúvidas, especulações, fantasias. A natureza agradece quando você morre. A natureza está ao seu lado quando você desiste. Ela apaga você do mapa. Mas ela não te exclui, você virá pó, você virá ar, você virá inseto, você virá água, você virá pedra, você virá qualquer coisa mas para você voltar a ser você haverá antes um conglomerado de fatores temporais absurdamente complexo a formar uma nova chance no infinito. Complicado porque a graça é linda em sociedade. É lindo ajudar e ser ajudado. É maravilhoso perdoar e ser perdoado. É sublime dar e receber. Então não aconselho descartar a ciência, mas sempre considerar que no fim todos estarão lutando pela sobrevivência.

Convidado não Convida

   Tenho uma preferência curiosa quando começo a escrever: penso num título e depois desenvolvo o enredo. E isso vale para tudo. Pensar no fim, e ir aos poucos planejando o desfecho. Pensar no inicio e com calma desenhar trechos do caminho. Pensar na janta enquanto queimo o almoço. Pensar na carreira me qualificando com outra coisa. Enfim, pela conclusão que chegamos à introdução. Há quem fuça toda a vida para chegar em um lugar, enquanto poderia fuçar qualquer lugar para chegar a uma vida. Há quem acorda querendo dormir. Há quem dorme querendo acordar. Há quem morre para depois sobreviver.

   O outro lado parece ser amar todas as coisas. Aceitar o tempo, seja ele curto ou infinito. Chegar no meio termo com freio, com fôlego, com sangue e dignidade. Narrar todo um contexto e num momento qualquer corrigir todos os pontos. Não há paciência para revisão. Queremos acertar sempre. Buscamos ter certeza, pois a dúvida incomoda. Quando somos convidados e convidamos alguém, o que queremos são garantias de que nada irá constranger. Desejamos prestígios quase que como buscamos seguranças. O desconhecido nos assombra. Toda novidade apavora. O que não é inveja é ciúmes. A vida poderia ser um texto, e o título um final. A vida poderia ser um convite, e a morte uma festa. Mas o convite que é a morte, é só nosso, de mais ninguém. Sinta-se a vontade, apesar da solidão, a festa é única.

Manchas no Rosto

     Quando mal encaminhadas, algumas das cartas dos presos param aqui. Fico encarregado de descobrir o destinatário correto e para tanto, nessa fase do processo, só analisando o conteúdo dos pedidos. A agonia é clássica. Se eu pudesse, não trabalharia. Se eu pudesse não faria sexo. Se eu pudesse não comeria. Se eu pudesse viveria entre dormir e despertar. A preguiça também é um direito. Se eu pudesse me acomodaria com temporadas, algumas em casa, outras na rua. Se eu pudesse faria como meus avós, mandaria todo mundo tomar no cu ou como meu amigo peidaria na frente dos inconveniente como protesto. Se eu pudesse não deixaria de ter a ingenuidade de uma criança. Se eu pudesse não me submeteria a competir como os adultos. Seu pudesse me alimentaria com sol, pois assim foram nossos antepassados. Mas não posso. Já estou preso aos próprios problemas que criei. Estou confinado a minha própria vaidade. Já sou dependente do medo e do futuro. Sou o que nenhum preso deseja ser, ganancioso. Pois querer felicidade não é igual a querer ser livre. Felicidade na verdade é só um detalhe mesquinho dos nossos impulsos primitivos. Diante da dor de uma doença só queremos a cura. Diante da fome insuportável só queremos o que tiver a disposição para comer. Diante do sequestro só queremos a liberdade. Diante da culpa só queremos o perdão. Mas diante da raiva, alguns não pensarão em paz, mas em vingança. Diante da vergonha só queremos compreensão. Mas diante da humilhação, alguns devido seu orgulho se sentirão feridos, mas não tranquilos com sua realidade. Diante do fracasso só queremos o consolo. Diante da derrota, alguns não desistirão, e outros além de não desistir farão o que for necessário para vencer. Se eu pudesse ficaria a mercê de donativos voluntários. Se eu pudesse levaria uma vida social de inúmeras solidariedades. Se eu pudesse criaria laços, construiria associações, uniria pessoas com fins de criar estímulos ao bem comum. Mas não posso. Tudo parece criado por um complexo de acontecimentos históricos que segue e ultrapassa fronteiras com rumo a excelência individual das pessoas. As personalidades somadas nos trouxeram aqui. Para mudar tudo seria necessário começar tudo outra vez. Seu pudesse jamais faria tudo o que fiz no passado. Semelhantes as descritas nas cartas, se eu pudesse voltar a trás me tornaria um homem calado e imperceptível, pois nem as manchas do meu rosto me incomodaria depois de tudo o que passei. Vivemos diariamente um caos e quando tudo fica calmo não percebemos a diferença, exigimos mais do que merecemos e voltamos novamente para prisão das nossas ambições.
      Pela longevidade parece necessário se esforçar sempre pelo mais difícil. A preguiça e a ansiedade nos faz acreditar que a ambição pelo mais fácil pode ser controlada, mas não. Não existe controle. Não existe equilíbrio. Não existe moderação. Se fazemos algo que destrói, simplesmente destrói. Se fazemos algo que não agrega, não agrega. Se fazemos algo que é fácil, é fácil, e os dias vividos não voltam.

Sórdida Eternidade

     O mapa é o coração. Os caminhos, marcados pela história, quebram entre rios e lagos, às lágrimas do planeta. Entre a vida e a morte os laços e fios que tecem nossa existência revelam a incontrolável situação de existir. Viver começa ficar fácil no ponto mais absurdo ou cômico da existência. Tão fácil a ponto de nos impormos referências do que vale ou não investir, se vale ou não continuar. A vida começa a parecer meramente um jogo de escolhas, de opções, de interesses. Você a sente quando você finalmente decide dançar sem hora, sem motivo. Você a sente quando compreende seus pais, quando respeita os mais velhos. Você a sente quando acorda dos seus sonhos vivo, embora a certeza absoluta de ter explodido no tempo. Você a sente quando sente que machucou alguém, que perdoou alguém, que deu abraços sentindo enorme saudade. Você começa a viver quando percebe que não sabe quando nasceu e desconfia se um dia morrerá. Você sabe que vive quando você tem trocados para dar ao pedinte, mas entre as janelas dos olhos, as camadas de vidro e os papéis da esmola você pensa no futuro das coisas. As fotográficas de uma noite molhada e as reflexas da vida marginal giram em sua mente o colocando em consciência reciproca com a miséria do mundo. Você percebe que vive quando os fatos se repetem cada vez menos enigmáticos, porém ainda mais sórdidos. Você descobre que vive quando desconfia que morra. Guimarães Rosa já dizia que “a gente morre é para provar que viveu”. Eu reforço dizendo que a gente vive é para provar que não morre. Morre quem desisti, mas o problema é que no fundo sempre queremos recomeçar, então não haveria morte, mas eternidade e a alma seria perene nesse desasseado mistério de existir.

A Religião do Inconciente

    Andei reparando numa coisa que meu pai me disse dias atrás: quase nunca fazemos algo para o outro, mas para nos sentirmos bem. Analisei muito o conteúdo dessa frase e rodando em meus pensamentos, perplexo diante da realidade, vasculhei as mais profundas lembranças e histórias da minha vida e nada tão significativo encontrei sobre algo que fiz para alguém sem que fosse pensando em algo que viesse a me retornar como mérito de minhas ações. 

    Claro que pensar em tudo isso só poderia me levar a uma única personalidade exemplo de doação e amor ao próximo que foi Jesus Cristo. Estudei novamente os evangelhos, para novamente concluir o quanto há em mim para mudar, se essa for mesmo a intenção. Jesus foi um cara inalcançável no tocante a paz e no que diz respeito a caridade. Acho pouco provável seguirmos a risca seus exemplos, pois fazer tudo pelos outros me parece ser algo como não viver para si. Seria não sentir prazeres. Seria não trocar, seria não competir, mas ter o poder e a glória para provar os ensinamentos e fazer acontecer os milagres. 

    Nosso caso é bem diferente. Não temos poder nem sobre nós mesmos. Não conseguimos ser obedientes nem aos nossos sentidos. Nossa intuição é por várias vezes desconsiderada. Temos vergonha. Temos orgulho. Temos inveja. Confundimos amor com posse. Confundimos raiva com medo. Confundimos dor com desejo, e inconscientemente praticamos nosso próprio suicídio. Nossa arte é exibicionista. Nossa doação é justificada. Nosso trabalho é por dinheiro. Nosso esporte é competitivo. Nossas conversas são políticas e intransigentes. Nossas paixões são para nosso próprio bem estar. Nossa vontade por si é sempre própria.

    O perfume e o chocolate dados a ela, na verdade são para mostrar que somos capazes e receber em troca o devido reconhecimento. O socorro é recíproco, por se colocar no lugar e não querer se ver também assim. Olhamos no outro e a dor que percebemos é a dor da nossa realidade, nos preocupamos primeiro conosco. Refletimos o que somos e ao enxergar ficamos com medo, ao enxergar pensamos na morte ou no amanhã. Tentamos salvar a família, os filhos, os avós pois é sinistra a ideia de viver só ou desamparado. Fazemos viagens, organizamos confraternizações, participamos dos happy hours, tudo por uma única razão: a solidão existe. 

    O futuro nos incomoda, nos afugenta. Fazemos as coisas por receio de um dia sermos esquecidos ou desvalorizados. A esmola é a contribuição para o bom senso da nossa consciência. O perdão é a esmola da nossa bondade. A pura bondade é a maior preguiça da alma. Amamos para sermos amados, isso vale para tudo. Ora, se nada é para o outro, porque sermos hipócritas? Por que a hipocrisia é a religião do inconsciente. Lá, a fé e a culpa são a mesma coisa.

    Viva o amor pelo próximo.

Patins em São Paulo

        Hoje bateu saudade daquele role responsa no centro de São Paulo. As elites do corpo físico hibernaram em prol de alguma evolução pessoal. Abandonaram as ruas e seus perigos para apostar no tédio do equilíbrio. Esquecerem a guerra e se acomodaram com a solidão ou ganharam com a sorte o sucesso de um grande amor.

5 de julho de 2018

Os Mistérios do Amanhã

         Acordo e abro a janela. Vejo um oceano de oportunidades. Vejo um dia, seja ensolarado ou encoberto por trevas, vejo a natureza e um convite. Vejo a realidade a qual somos incumbidos. Abro a janela e imagino dragões aquáticos cruzando as linhas cumpridas do horizonte. Vejo sereias pulando alto, eufóricas querendo morder as nuvens. Vejo monstros marinhos solitários e incompreendidos. Vejo enormes aves no céu pescando com os olhos, enxergando além da superfície de outra dimensão. Vejo os ventos pincelarem as águas, criando o branco das espumas, quebrando o silêncio da alvorada. Vejo o mar turbulento, ameaçador, transbordando vida e fúria. Sou um pirata e todo pirata quer uma única coisa, encontrar o tesouro escondido.

Monumental

            Quando estou em sala de aula, a lousa já preenchida me aguarda ansiosa para ser contemplada. Os olhos fixos da galera transcrevem parágrafo por parágrafo, cada palavra que serão um dia relidas por alguns, mas por outros esquecida no caderno, logo abandonado nos fundos mais escuros da casa. Eu nunca anotei muita coisa. Quase não tive tantas folhas preenchidas. Hoje, nem perco meu tempo e praticamente descarto as anotações. Aliás, nem sei como aprendi, nem sei como lembrei, não sei como acontece. Eu vejo o gráfico e gravo na memória. Eu me arisco com as lembranças. Eu não registro nada do que serei obrigado a lembrar. Eu só registro o que sinto vontade. O que quero que vire história. Assim, me empenho, me esforço, trabalho as ideias junto às emoções. Pinto os detalhes com as palavras. Sutilmente desenho seus olhos com as letras. Escrevo sobre você para me lembrar de você. Escrevo para você para que saiba que você foi quem eu não quis me esquecer. Escrevo seu nome todos os dias nas linhas dos meus sentimentos para no inconsciente afundar e nos meus sonhos sempre te ter. Escrevo sobre você, escrevo sobre a gente, escrevo, contorno, dou cor, dou toque, dou afeto a cada frase porque assim vejo necessário, assim altero o tempo, assim salvo o passado sacrificando o futuro. Lá, salvarei novamente com novas palavras. Não faço nada disso para agradar. Nossas lições não são nossos entretenimentos. Nossos deveres não são nossas distrações. Nossas atividades nem sempre são nossas alegrias. Os exercícios, os problemas, os trabalhos, toda a matéria embutida num pequeno espaço insignificante, num curto tempo irrefutável, são obrigações perante nossa paz. Nossa singularidade está aqui. Minha paixão está aqui. Este é o monumento da minha alegria. Escrever sobre você é a forma mais genuína de expressar o quanto quero nossa felicidade.

O Corpo e o Tempo

             direi um dia como eu era estranho, no dia em que eu me achar melhor, mas estaria tão estranho quanto agora, momento em que eu jamais poderia me imaginar... se essa imagem é passado ou se é futuro, não poderia descrever, nem definir, onde estou, se é agora ou se é outrora, pense além, pensei em quem já se foi, se voltará, se já voltou... sentirei saudades do que eu era, pois lá na frente não serei mais o que eu fui... saudade é isso, é tudo o que fica daquilo que não pôde ficar... o corpo, nosso estranho ou belo corpo, escorregar-se-á no tempo...

Debate sobre a compaixão

        Imagine um homem que de repente se transformou num pedófilo. Um homem de família que começou a prostituir crianças e assediar a própria sobrinha. Obviamente, ele foi condenado e levado para um programa de reabilitação, mas foi incapaz de responder ao tratamento. Então teve sua prisão decretada e com isso, solicitou uma ressonância magnética do cérebro. O resultado do exame indicou um tumor na região responsável por regular nosso comportamento social, incluindo os impulsos sexuais. Então foi feito uma cirurgia, foi retirado o tumor e o comportamento de pedófilo desapareceu. Passado um tempo o comportamento volto. Foi feito uma outra ressonância e o tumor reapareceu: uma recidiva de câncer, Eis a pergunta, Onde está o livre arbitrário.

Nossos pais

      Andei por muito tempo incomodado e não entendia bem o por quê desse vazio. Nunca imaginei que ter novamente o contato com meu pai me faria me sentir tão vivo. Mas meu coração ainda dói, ligado às mesmas preocupações quanto ao passado e ao futuro. Vivemos assim, atônitos pela esperança e pelo temor. Então a lição que fica para o presente é sempre respeitar nossos pais porque eles sempre estarão além do nosso tempo.

Aquário Vazio

         Chegamos antes do combinado. Somos cativados pela novidade. Nosso aquário está vazio, mas limpo, lustroso, decorado, exporto aos olhares da pressa. No metrô, centenas de vezes as catracas involuntariamente giraram e foi esse o clima do nosso discurso. Girar por saber e querer. Está sobre o controle da situação e não sobre a situação do controle. Ali estávamos porque ali escolhemos. Até então escolheremos como e quando o aquário estará apresentável as nossas próprias ambições. Se apaixonar não é tão simples assim. Não acontece com frequência. As catracas giram, giram, mas nem sempre passam ali por vontade, mas por flerte, interesse, atração, carência, desespero. Não tem como não notar. Você esquece quem você era e aonde ia. Você esquece o que fazia e o que queria. Não importa o atraso, não importa o compromisso. Tudo fica supérfluo diante do que mais importa Nada mais interessa. A paixão é um blecaute da personalidade. Um redemoinho passa pelo aquário de seus olhos, levando a civilização de pretendentes. Um furacão destrói a importância de seus pertences e a sua forma de se relacionar com o mundo. Se formos céticos passamos a ter fé, confiar em magia, adotar hábitos de supersticioso. Se formos avarentos estaremos dispostos a doações improváveis. Se formos tímidos passamos a sermos capazes de cantar num microfone em praça pública. Se formos cafajestes nos tornamos fieis como uma rolha de vinho. As defesas e restrições estão postas abaixo. É um dia perfeito que interrompe o calendário, o envelhecimento, as mágoas, as cismas. É um beijo melhor que todas as palavras que procurava antes. A paixão traz uma força inacreditável. O sangue bebe energético do ar. As pernas levitam. Não precisa comer, não precisa dormir, não precisa trabalhar, não precisa arrumar a casa, não precisa atender telefone, não precisa responder mensagens. O olfato é a sua realeza. Emagrece, mas não perde o brilho. Adoece, mas não perde a saúde. O apaixonado encontra a inexistência perfeita, ser cada vez menos para ser o outro. Nosso aquário está vazio e nós escolheremos o que fazer, até se apaixonar.

O amor é uma troca

        Estive ao lado dele inúmeras vezes sem saber quem ele era. Bicha para lá, bicha para cá, ficava horas ao seu lado sentado ouvindo suas historias hilarias e seus cometários voluptuosos. Foi o primeiro a me ensinar a andar de patins e só postumamente descobri que era ele quem tinha ensinado uma quantidade enorme de pessoas, umas que conheço e outras que convivo entre centenas de roles e encontros por ai. Já brigamos e ficamos sem nos falar. Era implicante comigo por não querer sair do parque, não tentar aprender a andar de costas, não descer a 23 e não fazer nada senão jogar conversa fora. Criticava os meus patins, o meu jeito e eu fiquei aborrecido até sumir do parque. Mas num belo dia, véspera de natal, ele me chamou no wts e perguntou se eu iria patinar no domingo. Me levou para rua pela primeira vez e no maior sofrimento voltei do Mc aterrorizado. Foi uma viajem infernal. O que eu não sabia era que ele foi o fundador dos Pombas Noturnas Pombas Noturnas HIA HIA HIA. O fundador de um grupo de amizades entre patinadores bonito e recheados de boas historias. Estava ao lado de um sujeito adorável e que talvez eu não tivesse percebido a magnitude do seu caráter e da troca que ali estávamos exercendo. Dava giros intermináveis na Marquise - Parque Ibirapuera e eu pasmo observava e pensava ser aquilo impossível. Em poucos anos,após seu falecimento, consegui fazer tudo do que ele tentou me instruir, pois dentro do grupo a troca permaneceu. Muitos caras bons, dedicados e instruídos repassam por puro prazer seus conhecimentos e assim era o Wilson Heller, um homem que ele e nem eu nos conhecíamos e, independente da falta de intimidade, trocávamos momentos e convivências e isso hoje me cabe como lição, pois não importa quem seja, NÃO IMPORTA se conheci hoje ou a 10 anos atrás, a morte é certa e o importante na vida é conviver, testemunhar e pelo menos deixar memórias.

Incógnita

    É isso. Eu sinto muito. Sinto muito mesmo. Eu quero ser livre, livre... Livre de dor, livre de qualquer pressão ou opressões.

    Quero viver igual eu vivia, viver! Fazer o que me der na telha, na frente de quem for, sem alguém parar para abrir a boca e falar algo de mim. Ninguém para me julgar: mano, ela faz o que quiser da vida dela.

    Ninguém.

    Nada.

    Ninguém tinha essa autonomia sobre mim e de repente estou parecendo um fantoche? E fantoche de pessoas que me acrescentaram nada? Que sofrem pelas próprias decisões? E eu vou ficar tragando?

    Sinto muito.
    São escolhas. Escolhas...
    E eu sou uma pessoa muito corajosa de sofrer mais pelos outros do que por mim. Sou muito corajosa de desistir de qualquer tentativa de um dia a pessoa ser submissa a mim, ao ponto de se submeter ao que eu quiser só para me ter.

    Eu poderia me sentir poderosa né, mas não!

    Eu quero ter sentimentos, mas eu quero ter isso por quem mereça. Que realmente faça por mim sem me oprimir ou me pressionar. Sem me judiar. Faça por amor, por carinho, me conquiste!

    E é isso. É foda, mas quem escolheu assim que assim seja. E pior que se pensam em falar mal de mim estarão equivocados, ninguém tem noção de quantas pessoas são ao meu favor. Nenhuma noção. Em meu favor em qualquer circunstância. Seja ela a mais errada que for, ao meu favor!

    As pessoas são minhas dores, sabe o por quê? Por que eu não minto. Não fico omitindo para os outros o que eu sou ou não sou, pois sou o que sou: sou bicho, sou! Sou boa, sou, sou ruim, sou. Sou briguenta, sou. Tenho personalidade? Tenho! Mereço respeito, mereço!

    Quem me desrespeita fica longe. Se se aproximar vai abaixar a cabeça porque eu não tenho que me submeter a nada. Não construí essa ideia em um dia, mas em anos. Eu só tinha esquecido o valor que tenho para as pessoas, mas elas fazem questão de me lembrar.

    Então pode ter três, quatro, cinco... otários no mesmo ambiente, no mesmo role, vão me suportar por ciúmes, por inveja, por ego, por terem perdido, seja pelo que for. Mas onde estão os otários têm o triplo que gostam de mim e eu não estou nem preocupada com os três, quatro...

    Quem não gostar de mim fique longe, pronto, simples. Não vou deixar de ir para lugares por causa de ninguém, de ninguém mesmo.

    As pessoas fizeram todas as escolhas. Cada um cavou sua cova, continuam, e eu, da minha tiro a terra sobre mim. Sempre fácil, porque sempre tenho uma mão estendida, sempre.

    Eu me ferrei muito na mão de todos vocês. Estou pouco me lixando. Acham que com ameaças alguém irá me tirar alguma coisa? A única coisa que alguém pode me tirar é só a vida mesmo porque o resto...

    Errei muito, errei muito por te amar e demais. Me perdi. Me perdi em um monte de coisas. Mas agora o meu emocional está tão bom, não importa nada, ao contrário de outros que saíram capengando de verdade.

    Cada um escolhe o que quer. Eu não quero essa vida. Quero curtir. Quero ser feliz. Submeter-me a nada. Fazer ninguém infeliz. Mentir para ninguém.

    Vou me doar para mim, a minha vidinha simplória, mas que faz diferença para muitas pessoas e que causa sentimento que nem sei de onde surgem.

    Vontades, desejos, loucuras e insanidades que eu não entendo nem porquê, e olha que nem dou trela, só pelo meu jeito simpático de ser, meu jeito comunicativa e brincalhona, Eu!

    Quem gosta de você gosta do jeito que você é, não importa o passado, não importa as vezes nem o presente. A pessoa está disposta a não te criticar e simplesmente te aceitar, não só com interesse de pensar somente nela, mas interesse de mudar as coisas, não só para ela, mas para te fazer feliz também.

    Eu tentei fazer isso com você. Não deu certo. Estou bem conformada.

Úlcera

     O momento chegará. Quando for, coisas mudarão drasticamente. Falo sobre os polos dos significados. As faces do que realmente importa. Porque não são as conquistas, mas os sonhos; não adianta vencer tendo pesadelos. Porque não era a beleza, mas o conteúdo; não adiantava ser bonita vestindo roupas. Porque não era o tempo, mas as prioridades; não adiantava ter pressa se já era predestinado. Ninguém era estranho, eram apenas diferentes. Porque nunca foram as aparências o retrato da realidade. A realidade na verdade nunca deixou de ser também uma enorme aparência. Cabe tudo dentro daquilo que pensamos, menos a verdade que é sem tamanho para caber em tudo. Ela é única e imperceptível em sua essência. Só você sabe o que sabe. Só você sente o que sente. Só você vive o que vive e só você poderá expressar o que pensa. Porque não foram suas ações que lhe trouxeram até aqui. Inúmeros obstáculos, desvios, becos e vielas entortou a postura, corrompeu o caráter, que compôs teu caminho tortuoso ou sua jornada gloriosa para aonde agora está. Só você sabe o momento de chegar, de sair, de parar. Só você sabe o quanto sua vida rendeu e até a onde continuará. A morte é uma escolha. A escolha, uma verdade. Não serve para nada. Não importa, porque não são obrigações, são opções. Porque não são mentiras, são preocupações. Porque não são covardias, são traumas. Por que não são premonições, são experiências. Porque não é amor, é saudade, é costume, é paixão. Porque não será morte, mas renascimento. Porque não será loucura, mas compreensão. Porque não será progresso, será desgaste. Porque não será tristeza, nem dúvida, mas esperança e temor. Complicado, porque não é sentir prazer, não é ser insano, não é cometer suicídio, mas tão somente querer exisir. Quem vive querendo existir não boia, mas afunda no caos.


Nossa equação

      A família é uma concepção conservadora. Por outro lado, droga e sexo definem o prazer da modernidade. Os padrões e valores seguem tendências no espaço, mas não desaparecem, apenas se sobrepõem uns aos outros conforme o tempo. Some-se tudo para avaliar quem você é ou o que está prestes a se tornar.

Gosto é gosto

Não deveríamos sentir raiva das mentiras que nos falam. Mentir é uma arte da comunicação. É preciso ter talento para conseguir. Quem mente para nós está se esforçando por nós, está sendo criativo exclusivamente para nós. Eu gosto disso, gosto de ser enganado. Sinto-me importante. ❤️

Complemento para felicidade

           Não quero uma namorada só para namorar. Quero uma namorada para ser fã. Quero uma namorada para elogiar quando estiver sozinho. Quero uma namorada para ser feliz mesmo com a distância. Quero brigar por questões humanas não resolvidas, e a relação ser algo tão simples e desnecessário para discutir. Não quero saber das aparências, quero saber dos esforços. Não quero alguém que se arriscou por amores a vida toda, porque para mim o amor nunca foi o fim da solidão, mas apenas um complemento para felicidade.

O Espírito da Vida

               A vida é uma condição humana ridícula, muito zuada, não por ser vida em si e com isso ser sorte e azar, e com isso ser bem e mal, ser prazer e sofrimento, ser felicidade e tristeza, ser amor e ódio, ser sexo, ser traumas, ser drogas, ser envelhecimento, ser morte, ser injustiças, ser desigualdades e mistérios. A vida não é zuada por conta dessas coisas todas e outras mais. O que estraga a vida é o ponto de vista. O que estraga a vida é nossa total incapacidade de compreendê-la e aceita-la ridícula como ela é. Quase ninguém percebe, mas o próprio fato dela ser grotesca o faz ser cômica. Sim, eu explico. Tudo é ponto de vista. Até a morte é ponto de vista, embora saibamos que é inevitável, por ser um acontecimento futuro que ainda não passamos, o medo dela o faz ser passível de qualquer opinião boa ou ruim. Alias nem sei por que temos medo de algo que não aconteceu e por que nos arrependemos por algo que já se foi e menos ainda por que temos esperança de algo que não sabemos se irá acontecer. Entendeu agora por que a vida é bizarra? A vida é bizarra porque nunca sabemos de nada e quando acreditamos saber, algo em nós nos apavora e muda nossa percepção do que antes era plenamente conhecido, ou seja, não há garantias de certezas, seja o que você fizer, seja que caminho escolher, seja que decisão tomar, não importa a escolha, nunca é possível saber o resultado. Repare se estas afirmações, mesmo que angustiantes, também não são engraçadas. Pense se suas maiores frustrações não foram motivos de um dia você rir ao se lembrar. Pense se não é possível mudar de opinião e enxergar nossos dramas como grandes comédias. Pense se até mesmo o mal que cometemos ao próximo, causando tragédias das quais não gostaríamos de passar, não é além de um grande remorso, também, uma grande farsa. Os pontos de vista alteram os polos da culpa: quem era o certo passa a ser o errado e quem era o errado passa a ser o certo, depende de quem, de onde e de quando for observada a vida de um em relação as outras. Sim, é foda, mas a nossa vida às vezes só está zuada porque a comparamos com outras, mas quando percebemos o erro, nos sentimos livres. Mas não se passa muito tempo, já estamos pensando de outra forma que se não olharmos para vida em relação às outras seremos solitários. No amor a infidelidade é a oscilação mais nítida de uma pessoa que está perdida entre convicções e dúvidas. Volto a dizer como a vida é engraçada, veja neste exemplo, pois por um lado quem fica com dois está na intenção de terminar ficando com um, mas quem descobre pode se decepcionar ou se aproveitar da situação. Viver bem é isso, é fazer tudo pensando em você. Essa é nossa maior responsabilidade, quanto ao resto a vida cuida, até dos espíritos, se encarrega.

Faltou dizer que te amo

          Eu disse a você tantas coisas que não caberiam todas em palavras neste pequeno espaço insignificante entre nós. Eu te chamei para jantar. Eu te chamei para sair inúmeras vezes. Eu te liguei. Eu contei meus segredos. Eu contei meus defeitos. Eu a convidei para ir em minha casa. Eu pedi seu número. Pedi seu beijo. Eu fui atrás de você, voltas que dariam uma história, mas cansei de gastar afetos, e como é de costume farei de você mais uma de minhas poesias. Não quero que pense que você deixou de ser importante em minha vida. Não quero que pense que deixou de ser significativa em minha história. Você é minha história, uma parte dela, que nada tem a dizer senão dedicações. Não quero que pense que estou sendo orgulhoso, nem arrogante. Sei que você também se esforçou. Sei que também ali debruçada em seus pensamentos lembrou de mim com carinho e devoção. A real é que tentamos, fazendo corpo mole, pensando em consequência, premeditado conflitos, ponderando indiferenças. Tentamos sim e não foi em vão. Somos agora um texto para nós recordarmos. Somos a lembrança de uma paixão morna e sem sabor. Somos a memória de uma vida amorosa líquida que escoou de nossas mãos trêmulas de dúvidas. Ninguém chorou até agora. Ninguém brigou até agora. Ninguém fez chantagens ou ameaças até agora. Ninguém sentiu o prazer do outro até agora. Ninguém teve o conhecimento sensível da alma do outro até agora. Ninguém sofreu até agora. Devemos ser otimistas então. Devemos apenas agradecer o que não tivemos por que disso tudo aprendemos uma lição importante sobre a vida que é o fato de que as vezes quando não se ganha nada, por outro lado também nada se perde. Não me arrependo de ter tentado. Não voltaria para fazer diferente. Eu tentei te conhecer melhor. Eu tentei me sentir apaixonado por fazer você se apaixonar. Eu tentei te admirar além das instituições que nos limitavam. Além dos medos e dos traumas e quis arriscar mais, eu quis perder tempo, eu quis ganhar tempo, eu admiti tudo, esclareci todos os mistérios e demonstrei-me preparado. Eu fiz tudo que pude, faltou dizer que te amava, mas se não disse talvez seja por que nunca tivesse, e pela mesma razão de não dizer, não tenha sido correspondido.

Os afetos

Pensei em viajar para esquecer o mundo, mas lembrei que onde eu estiver o mundo estará. 

Para onde for ao descer pelos degraus eu verei o mundo ali espalhado. Haverá sorrisos para todos os lados.

Mesmo que numa latitude oposta, e mesmo a quilômetros de ontem eu partir o mundo continuará sempre abaixo dos meus pés.

Estarei sempre afetado. Estarei sempre constrangido. Estarei sempre sofrendo. Estarei sempre disponível a sorte e ao azar de viver.

Os afetos sempre existirão até no fundo do ambiente mais escuro da terra. Em nossa inconsciência, de lágrima em lágrima, o ódio brotará.

Os bons encontros não serão lá onde não se enxerga em catálogo algum. A vontade de agir e de se inventar está independente do espaço em nossos corações.

Não parece racional, e nem deveria, mas o coração é o maior mapa. A capacidade de ser feliz está nos bons encontros e nas relações que estabelecemos com o mundo.

Quero fugir, mas não posso. Para onde quer que eu vá deverei ter forças que não tenho nem lá nem aqui. Mas a vida não para de nos relacionar com mundo.

Por isso a importância de viver, sejam momentos bons ou ruins, essas são nossas relações que nos justificam em vida. Afetar e ser afetado. Chorar e sorrir. Amor e ódio.

Um por todos. Todos por um.

     Faces compõem nossa opinião. Quando somos maus não somos bons, mas numa expectativa absurda qualquer sobre aquilo em que acreditamos na vida, seremos os dois, alternadamente ou não, e num plano maior a outros destinatários, olhando por cima, ora seremos insignificante ora seremos magníficos.

     Somos um mundo dentro de nós. Giramos a nossa volta e repercutimos o mesmo efeito girando outra vez em volta ao mundo que criamos usando o mundo que somos. Visões periféricas mudam nosso humor repentinamente, polarizando nossa mente. Quando não queremos ao raiar do sol pular pela janela do que vemos lá fora, abrir e respirar fundo o cotidiano já bastará até pelo menos o tédio do meio-dia.

     Insatisfações involuntárias; coincidências de ontem; imprevisibilidades do amanhã. Tudo muda a nossa volta e os espaços são governados por aquilo que não vemos. Essa dúvida nos orienta imperceptivelmente ao nosso próprio caos. A questão gloriosa está em tentar, em querer, pois vale apena analisar os afetos antes de se arrepender ou de surtar. Compreender os lados e interesses, visualizando o que há em comum, esse é o papel da nossa cognição.

     Nossos amigos, nossa família, a idade que avança riscando a nossa pele. O medo próspera, mas o orgulho nos coloca em colisão. Ponderamos a fala e esquecemos dos gestos. O contexto diz quem somos e as reações do mundo revelam nosso engano. A difamação é um receio de não sermos o que queremos. A fofoca não é tão branda, sendo também uma outra angústia, caberá sempre a um propósito.

     Não somos bipolares. Somos um conjunto de infinitos pontos. Nossos segredos serão revelados, neste mundo ou no outro, e faremos política porque o que queremos a todo custo é simplesmente ser feliz. Não sabemos onde, não sabemos quando, mas traição também é amizade, depende em que ponto estaremos. Fazemos crítica como fazemos risada e caminhamos juntos, uns não se percebem, outros se percebendo tanto ao ponto de se destruírem. Mas sem grandes vícios não haverá grandes virtudes e viver sem planejar pode ser tão frustrante quanto planejar tudo e nada dar certo.

Terceira Chance

      Tive a primeira e a segunda oportunidade de me perdoar. Repare que nunca temos apenas uma certeza. As nuvens encobriram meu céu fazendo sombra fresca, e aqui choveu mais uma vez depois do último vendaval, há muito tempo atrás. Permanecia contente, embora encharcado, considerei apenas os tempos quentes e as ruas áridas. Considerei o calor do vazio, momento em que bebemos mais, que suamos mais, nos entregamos ao asfalto em lugar do sofá. Misturamos cerveja com vinho e nada faz mais diferença. Era só disso que quis me lembrar, para dar valor ao que talvez pudesse esquecer. Nada deu certo, como planejado, fiz lágrimas ao invés de bombons. Apanhei, bati, confiei, retrocedi. Arrependimento foi a última palavra antes dos prazeres. É como sorrir em meio a guerra, é se embriagar para amortecer os problemas, é tentar dormir para não acordar, é gozar com o sofrimento. Perguntei a ela o que significava tudo isso e acabei tendo que ouvir mais outra de suas histórias. Pior que amar é amar demais. Arrastar gerações pelos vínculos desse amor. Pior que tapas e sangue seria a bolsa estourando e o feto caindo. Os acidentes são sentimentos, fortes sentimentos de amor refletem o desconhecido. Entre mistérios sempre há barbaridades. A terceira chance é viver para contar histórias.


27 de abril de 2018

Promiscuidade

A presença do mal é essencial ao nosso desenvolvimento como pessoa.

O que achamos ser o certo não necessariamente significa ser o bem.

O mal é justamente isso, o oposto do desejo.

O mal é a controvérsia, é a lágrima de uma paixão.

O mal é a luta pelos nossos direitos.

O mal é a busca desenfreada pelo amor, ou por um, sublime e coerente.

O mal também é o sucesso em detrimento de alguém.

Para ser bom é preciso não respirar, não se defender e nem de longe atacar.

Para ser bom é preciso ser nada e ninguém.

Para ser bom é preciso ficar inerte, imóvel, quieto, derramado em ossos velhos e empoeirado.

Para ser bom só sendo palavras.

O cadáver é a fantasia do bem e o bem é a alma do cadáver.

Sofremos para sermos bons.

Choramos para fazemos rir.

Sorrimos para fazermos gritar e o grito mais alto é a bandeira mais extensa do que poderia representar uma explicação para a paz de alguns, mas não de todos.

A inveja desperta o medo, mas não há amor maior do aquele que temos por aquilo que não possuímos.

Ser bom é não ser. 
Ser bom é não amar. 
Ser bom é não viver. 
Ser bom e feliz é ser sozinho num deserto invisível.

Não dá para querer ser certo o tempo todo.

Posso caminhar pelas areias frente ao mar e não servir bem aos olhos de quem não me perceba além do próprio corpo.

Posso cuspir em minhas mãos e cantar sorridente esperando alguém me aplaudir.

Posso me jogar de um edifício e causar dores ou alegrias com a explosão da consciência.

Podemos dormir e acordar eternamente, sem perceber quase nada, se foi um sonho o que era real ou real o que de fato é real.

Se não for certo, talvez seja gostoso.

Submissão

            A falta de liberdade não consiste em tão somente estar censurado ou constrangido, e sim em estar desregrado, em não se encaixar no tempo do que é o amor. Pois entre ele e o ódio encontram-se os prazeres da carne que no fim apunhalam o coração. Nasce de lá e daqui a mais pura vingança de um amor não correspondido. O tempo passa, o espaço aumenta, tudo fica frio pois a alma desacelera. O que antes era empolgação agora tira o sono; o que antes brilhava agora queima de tão gélido e pálido ficou. Duro é desistir, partir e não se enganar outra vez. Mas o amor é assim, é sempre pelo que é oferecido. O encantamento é assim, sempre pelo que foi demonstrado e interpretado, muitas vezes, equivocadamente. Tarde demais. Impossível retroceder, o presente é quem diz. Dormir agarrada e se sentir confiante é o espaço da alma no tempo, e o que para muitos seria nojento, para outros se torna excitante. Não se espera o fim, não se espera a verdade, aqui o que se quer é ser desejada. Fácil, rápido, caiu para dentro e deu gargalhada. Bebeu, fumou, estimulou o momento no vácuo. Que idade chegamos? É preciso se corromper para ser feliz. Que espaço é este? Se é criativo como luzes vermelhas no céu ou manchas douradas são rasgos feridos viajando agressivamente na velocidade da luz. Todos os dias promessas são quebras, isto é de tempos em tempos revivemos as dores comuns, mas que desejamos parar e aceitar ficarmos talvez congelados. Se fôssemos rápidos, se fizéssemos tudo com pressa, a vida seria mais lenta. A vida só é duradoura para alguns porque é intensa, frenética, logo, viciante. Quem vive assim não quer menos, quer mais. Custe o que custar, jamais ficar para trás. E penso, será que no cosmos é assim? Constelações de machos e fêmeas disputando igualdade? Ou somos diferentes, pois somos os únicos que amamos? Somos os únicos que sonhamos e por isso é que avançamos, perseguindo objetivos. O tempo é ansioso, pois ele não para. Somos ansiosos porque não paramos e por amor nos submetemos a tudo. O ódio é exatamente o amor demais. Perceber nos faz pensar e a temperatura cair. Um passo ao tempo de amar incondicionalmente.


O Destino da Morte

        A vida só tende a piorar, sempre. Não é só pessimismo, também é probabilidade. Se fosse para ser melhor nem criança deixaríamos de ser. Se fosse para ser melhor nem do útero teríamos saído. A vida já começa fracassando, e até os mais sábios sofrem inúmeras atribulações. Podemos pensar diferente, acreditar e manter a fé. Esperança também é remédio e remédio também é droga. Os doces são remédios e o otimismo talvez o mais natural quando original de nossas emoções, mas no fim a morte é o que conta na soma de quem somos. Vale muito o que fazemos, vale demais amar então, já que o fim é inerente. Vejo a luta dos outros por amor como lutas praticamente vitoriosas. Lutas que serão consagradas e condecoradas em prêmios de paz, após tantas transformações. Já fui assim e sei bem como é ser alguém que já tanto amou, somos aqueles sem medo de morrer, pois morrer não será o foco, morrer se quer estará a vista. Só quem está mal na paixão é quem pensa na morte e enxerga seu destino de encontro com ela.

A Alma e o Sexo

          De várias maneiras poderia iniciar minhas palavras acerca deste título. De diversas maneiras a alma se uni a outra no holocausto da paixão. Quando o prazer se troca ou se iguala, a alma sente a diferença, a alma muda, se transforma, evolui, mas quando não combina, cai como de um abismo na ilusão do que não era amor para os românticos ou tentação para os devassos. Quando não há afetos maiores que os desejos. Quando os desejos não são piores que os afetos. Quando o prazer se torna tudo, até motivo de continuar ou de se arrepender. Quando o prazer é objeto e poderá salvar ou arruinar a união. Então os fetiches decoram as exigências, fantasiando promessas de um futuro melhor. Nos entregamos e nos permitimos. Algumas coisas que são novidades se tornam hábitos e outras ocupações, muitas delas só para agradar ou ser agradado. Submissão, mas não amor, e o respeito é só em público. O respeito é só por negação e esconderijo. O respeito é apenas não assumir a falcatrua e rejeitar toda verdade e sacanagem. Ninguém quer vestir a camisa dos prazeres da carne por uma razão muito cristã e muito hipócrita até então. Mas ninguém quer. Servirá só para dormir e para enxugar as lágrimas talvez de tanto desgosto. Um sempre sofrerá mais que o outro quando existe alma e sexo. Mas quando só existe isso e isso por si só é o que se uni e se move, sem a supervisão e o cuidado do coração mas apenas vontades reprimidas, o prazer além de prazer se torna pranto. As noites se tornam dias. As explicações e exigências acumulam e transbordam as expectativas do que seria bom. A alma sente cada pedaço e cada desatino da traição. A alma sente cada mentira e cada exagero à satisfação de um outro ego. Não se pode perder a criatividade e nem a transparência por ele. Não dá para ficar calado ou gemer em silêncio já que quer ouvir e se tranquilizar. A intimidade vira ruínas como os cabelos desajeitados plena madrugada, e o amigo querido deitado na cama bêbado sem ouvir os desabafos da alma estilhaçada pela falta de independência é o protagonista da alucinação. A noite que era para ser uma noite feliz foi desvinculada e dela cobrada os feitos mais absurdos e eróticos de uma imaginação sádica, enredo da beleza de uma obra pornográfica que para prevenção ou sorte da alma o sexo não aconteceu, as imagens não foram capturadas e nem as vozes ouvidas. Um não sentiu o alívio da tensão e o outro lutou para proteger os seus próprios afetos forçados também a própria corrupção. Pois entre a alma e o sexo, quando não há a leveza do carinho há a vingança do prazer. Existem várias formas de não sofrer, uma delas é transformando o outro em objeto para alma não sentir e só o sexo permanecer como poço ou refúgio, um para quem ainda tem alma e o outro para quem praticamente a perdeu de tanto a esconder.


14 de março de 2018

A virtude da coragem

       Dizem muito por aí que devemos enfrentar nossos problemas, mas nunca ninguém explica os benefícios dessa decisão.

       Enfrentar os problemas é apenas uma opção fácil, quando se quer esquecer ou extinguir as dores, mas isso não significa ser o melhor das opções.

       Fugir é mais difícil, muito mais difícil, falo por mim que vivo fugindo, mas o que muitos não sabem ou não lembram é que fugir é rir de si mesmo.

       Fugir é nem ganhar nem perder. Nem se arrepender, nem se exaltar.

       Não é vitória, não é fracasso.
       Vergonha não se passa e orgulho muito menos.
       Ninguém evolui e ninguém retrocede.

       Fugir é ficar no morno. Fugir é brincar com a vida. Fugir não é algo fácil. Fugir não é algo rápido. Fugir não é sucesso. Fugir é arriscado, mas é uma alternativa antes do final. É um caminho antes do abismo. É uma passagem antes do vulcão. É uma trilha que corta a mata selvagem e faminta. É uma luz antes e não no fim do túnel.

       Você pode fugir antes de pular. Você pode fugir antes de endoidecer. Você pode fugir antes de brigar. Você pode fugir antes de morrer.

       Você não precisa correr de tudo. Se sentir assombrado o tempo todo e se auto impedir de agir: isso é falta de virtude. O excesso é sem critérios e sem prudência.

       Ser covarde não é fugir dos problemas, ser covarde é enfrentar e destruir tudo por não ter medo ou por ser mais forte. Fuja de vez em quando! É mais engraçado e não sacrifica ninguém.

Momento de viver

      Se ainda vive, viva com vontade. O outro lado não importa até então. Nada se tem a dizer, embora exista muita fé. Acredite sim, mesmo que não se tenham provas, opção jamais faltou. Ser ateu é também ter fé. Ser feliz é também uma opção. Fatalidades ocorrem, mesmo que da sua escolha não sejam frutos. Raios e vendavais são observáveis e definidos, desde sua origem até suas consequências. As coisas acontecem, normalmente, mediante boas razões. Pense bem antes de agir. Pense bem. Se arrepender é queimar no próprio inferno. Ajudar já é para poucos, mas viver é muito fácil. Se você correr você se mata. Se você gritar você se mata. Se você comer você se mata. Não compensa ter pressa. Quanto mais se quer viver mais se quer morrer e se quiser morrer, muita vida terá que retorcer. Nascer não é fácil, morrer pior ainda. Pare, respire, sinta o veneno. Quase tudo é inevitável, acontece por acaso. Quando se planeja se antevê, as cosias se repetem. Perceber é se estressar, mas se estressar não é compreender. Aceitar a sua vida. Romper com seu passado. Encontrar a chave do céu é perdoar seus inimigos. Sucesso é ensinar e fazer dos outros vencedores. Querer é sofrer, e quanto menos desejarmos, melhor sobrevivemos. Alegria vem de dentro, aceitando tudo como está. Mudar é importante, como as angustias e frustrações, os sacrifícios são assim. Quem exige, exige de si. Podemos ser o que quisermos. O que mata é querer, querer e insistir. Quando não, já morreu.
 
 

Algo de bom

    Ouvi dizer que até relógio quebrado acerta a hora uma vez por dia. Podemos errar, falhar terrivelmente, escorregando pelas dunas da ignorância, mas acertamos, em muitos momentos dessa vida acertamos.

Da Flor ao Chorume

         Cada situação e lugar as pessoas se submetem a fugir da solidão. Solidão é como a chuva, ou o frio excessivo, ou o calor muito intenso. Como a natureza muda o clima, a solidão é apenas um estado do nosso sentimento, deveríamos aprender a lidar e ser feliz do mesmo jeito.

Talento para Nada

        Como educador nunca acreditei nessa tese de que nascemos com talentos e por isso é que conseguimos. Acho que conseguir é só uma questão de querer e insistir. Tenho muita fé de que podemos ser o que quisermos. Tenho muita fé de que até cegos podem enxergar, talvez com outros olhos. Tenho muita fé de que paralíticos podem andar, talvez com outras pernas. Tenho fé de que você poderá chegar onde quiser, talvez por caminhos diferentes dos quais não imaginava. Essas opiniões de que não nascemos com talento para isso, não temos molejo para aquilo, somos sem aptidão para algo, não nascemos com flexibilidade, não tivemos a sorte do dinamismos, não recebemos as benditas dádivas dos céus, não nos foi concebido de Deus dons e privilégios. Essas opiniões todas as pessoas que gostam de proferir deveriam enfiar tudo no cu e ver o resultado ou no mínimo tentar fazer melhor.

Tempos do Sei lá....

         Como podem as ideias mudarem tantas vezes dentro do pensamento? Incrível essa instabilidade em manter as convicções as mesmas. Essa incapacidade de decidir sem remediar ou se arrepender. Sei lá eu se é interessante manter intacta nossa forma de pensar ou se constantemente mudar de opinião é a melhor maneira de levar a vida. Sei lá eu...

Lágrimas de Saudade

      Eram secas, pois não escorreram. Em volta molhou, como terra encoberta, lutou pelo azul de paz. Não queria sentir fritar seus olhos quentes de emoção. Não queria chorar sequer o brilho da lua numa parte linda qualquer do seu triste lago redondo de saudade. Pequeno céu vermelho, desentendido de quais caminhos jorrar. Lembre-se do que foi bom. Pense nas próximas maravilhas. Limpe outros locais, o principal já foi decorado. O principal fundo desse aquário brilha para todos verem nossa amizade ali aguardada eternamente. As lágrimas são gotas da infância, bolas transparentes de um tempo menos falso. São difíceis depois dos olhos velhos e cheios de poeira do tempo. Ainda que na flor da juventude, sentimentos que brotam contornando o apertado olhar marcam até descendências por longas histórias contadas a gerações e afins. Assim será o que lhe ensinei, transmitida e transferida, expressa ou aos gritos, lições de alegria tocaram nossos olhos novamente como saudade. Saudade é isso, é sentir falta de ouvir, é sentir falta de aprender, pois é só amando que se aprende.

Na ponta dos pés

       Nada contra o indivíduo querer ser promíscuo. Gostar da vida de farra e putaria. Sinto que ou o azar é dele ou o melhor dos prazeres também.

       O que me revolta é a pessoa conhecer alguém diferente, com índole de mais recatado e com isso tentar pleitear expectativas de mudanças, da vida amorosa nova, de integridade monogâmica e até de se "regredir" aos testes de fidelidade.

       Cara, que raiva tenho de gente assim, que busca alternativas de vida dentro do envolvimento com outras. Querer até que querem parar com as sacanagens e as noites em claro, mas querer conhecer alguém que as impulsione a isso, que tenha hábitos e costumes mais discretos e pacatos para engrenar com apoio ao um novo estilo e criatividade é ridículo, principalmente quando a outra pessoa deixa clara suas intenções de conhecer e se envolver com alguém que tenha histórias de vidas parecidas. Isso tem que vir do coração, da experiência, da vontade e da dedicação em ser diferente. Mas o safadinho não respeita o caso, pelo contrário, se apaixona de tal forma que começa a perseguir e a implorar por uma chance de mostrar e provar sua capacidade de adaptação. Pura conversa fiada.

       Quando você menos espera já estará virando noites, usando drogas, bebendo o bar inteiro, arriscando sua vida e quando perceber já será tarde pois já terá visto tudo o que não precisava ver nem sentir. Já estará contaminado pelas paisagens de uma vida insana e mesmo que tenha toda a maturidade de se distanciar e de se abster, ficará guardado na memória como aprendizado cruel ou conhecimento desnecessário os infortúnios de uma relação forçada.

       Esse povo que gosta da bagunça deveria procurar instabilidade entre pessoas da mesma preferência. Passou a vida toda na balada, bebendo e fumando, passou a vida toda na rua, entre amigos e inimigos, vendo do que há de mais árduo pelas calçadas, tudo por ter sido incapaz de buscar contentamento nas coisas mais simples, brandas e solitárias como uma programação de cinema ou livros de histórias divertidas.

       Viciadas em adrenalina e fortes emoções agora com a idade chegando vem as dores e os arrependimentos. As noites na cama em claro relembrando flames dos perigos e riscos enfrentados na loucura do descuido. Isso quando algo de mais grave não aconteceu com a perca de uma parte do corpo ou da alma num acidente fulminante às consequência da imprudência e do desgosto de aceitar a vida como é.

       Muita gente não sabe e não entende que os problemas são provas, teste e desafios da nossa evolução pessoal em algum plano espiritual que ninguém poderia detalhar senão o próprio quem está sofrendo. Mas são fases de turbulência que precisaríamos termos encarado com calma e fé.

       Aceitar nossas condições atuais e superar nossas dores do passado é o caminho que mais reduz os danos de nossas vidas no tempo irrequieto. Acredito que essas pessoas enxergam tudo como oportunidade. Eu não faço muito diferente: é entrar e sair sem bater a porta.

Playing Hard to Gat

     Na prática, Romeu e Julieta é muito raro, mas se fazer de difícil o tempo todo não é nada sensível. Esperar que o outro reaja primeiro é querer reafirmar que o amor não passa de um jogo. É querer plenitude. Uma saga em busca da verdade de que nada servirá. Nunca sabemos o que fazer com as certezas. Certeza se é amor ou se é tesão. Certeza se é amigo ou se é amante. Certeza se irá ligar ou se ficará no profundo silêncio. Sem autonomia de fazer com que as coisas aconteçam. Aguardar reações genuínas de saudade para satisfazer as próprias expectativas. Como não jogar? Como não se exaltar ao ser procurado ou se enfurecer ao ser esquecido? A separação é de fato o pior desfecho, mas desejamos que, se caso o destino seja esse, a glória de estar por cima seja nossa. O único problema é confundir nossas incertezas com a falta de interesse do outro. Medo e orgulho são bons, mas em excesso fazem da vida um espaço sem cor e sem amor.
 
 

17 de janeiro de 2018

Novas Dimensões

     Os erros são doenças, como tumores, alguns inclusive incuráveis. Diante do erro deseja-se ou fugir ou reparar. Embora uma das opções sirva como livramento, o que se esquece é de como tudo começou. Impossível tratar uma doença sem saber a sua causa. Mesmo que não aja cura, é provável que aja aprendizado. As doenças são traumas da carne e dos afetos. São dores acumuladas por eras dentro do nosso próprio espaço corporal nas agruras do tempo da mente. 

     No amor é assim, seja ele correspondente ou correspondido, sofre quem mais desejou. No entanto, não é só a vontade de obter que nos destrói, mas também de não desejar coisa alguma. Quando somos muito jovens não percebemos muito isso, mas a experiência nos revela os perigos do que nossas aparências podem demonstrar. Às vezes não era amor que sentíamos e ainda mais improvável que fosse ódio. Nossas atitudes talvez eram as mais nobres e gentis, sem ambições, sem retorno em troca, sem interesses, com o simples olhar para o outro. Quando finalmente aprendemos a importância de agradar, queremos agradar a todo mundo. Quando finalmente reconhecemos o valor do bem querer, vamos em busca de tempos mortos na esperança de fazê-los reviver. Além da nossa cruz, querer carregar as dos outros. Criar pontes, fazer amizades, priorizar os afetos. 

     O amor então nasce sem cuidados e sem restrições, levanta voo sem direção e pelo jardim cresce até onde o sol não alcança mais. O amor transborda além do copo, por toda a casa e preenche todo ar. O amor liberta as amarras da dúvida e encanta o novo caminho nunca descoberto. Uma novela nova se inicia, escrita com as lições da dor e do desamparo, pois foi assim que se aprendeu. Demoramos a acreditar e a reconhecer que somos todos iguais ao querermos o mesmo descanso. Abraços e olhares sobrecarregam a própria estima e quando não se vê o amor já consumiu. Você irá dizer que só quis ajudar, que só quis resolver e não percebeu como tudo começou. Não são todas as pessoas que precisam de ajuda, algumas não querem, outras não merecem e haverá as que não somos capazes de se quer estender a mão. Faremos alguém se apaixonar indevidamente. Faremos alguém nos desejar como última saída. Faremos alguém acreditar que seremos o único futuro. Seremos os enviados por Deus e na verdade de Deus não teremos nem mesmo o reconhecimento por tentar fazer nossa parte. Não somos nós quem sabemos exatamente o que fazer. As necessidades estão nas pessoas. Praticamente quase nada temos a oferecer, senão nossa capacidade de se adaptar e interagir. Essas são nossas escolhas. 

      Dizer não também é se adaptar, dizer não também é se interagir, dizer não também é salvação. Quando descobrimos a importância de se colocar no lugar do outro, descobrimos até onde vão nossos limites na própria relação. É quando nem todas mais são belas, nem todas mais são gostosas, nem todas mais são atraentes. Não iremos mais querer tantos amigos, porque nem todos são tolerantes, nem todos terão sensatez, nem todos serão o que são e nem todos irão de fato querer nossa amizade. Só podemos ajudar quem pede a nossa ajuda. A próxima etapa será ser seletivo e numa outra oportunidade, ou quem sabe numa nova dimensão, poder a todos fazer o bem sem olhar a quem.  


9 de janeiro de 2018

Néctar

         O relógio de pulso virou armadilha. As horas dinâmicas na tela despertam enormes anseios. O mel do pote tem secado virando pó o doce da felicidade. Não se sabe ao certo o que se quer. O tempo passa e junto às histórias e mentiras haverá mais frustrações, porém, novas experiências e oportunidades de recomeçar. Descobre-se sempre novas posições, novos momentos e quentes palavras. Já não importa tanto a verdade. Já não importa tanto as promessas. Esperança virou medo. Medo virou prazer. Prazer virou rotina. E a rotina vai envelhecendo a alma do rosto. Engraçado perceber que o que antes era motivo de morte, hoje é de excitação. Quando a traição vira fetiche e as rugas no espelho tapam nossa boca, puxam nossos cabelos e nos permitem sermos chamados de Delicia. É duro ser mal julgado e só ter sonhos como justificativa. Os impulsos da carne são comuns entre homens e mulheres, só que ninguém os respeitam, ninguém os admitem, mas hipocritamente os banalizam. Descrimina o que se pratica. Julga o que se deseja. Confuso os pensamentos se saem, e demais se é maltratada por desejar amar e ser amada como única opção. Obrigada a se calar quando a vontade era de falar o que o coração sentia. Sorri docemente, quando a vontade era dar uma pancada na cabeça de algum infiel. Preparar aquele jantarzinho especial, enquanto o fofo assiste à televisão, com um copo de cerveja nas mãos, quando a vontade seria de colocar um vestido bonito e jantar em algum lugar charmoso. É proibido falar em cansaço depois de um dia exaustivo. É proibido queixar-se de algo que não tenha ocorrido bem. É proibido revelar os ciúmes quando o sujeito demonstra claramente que ela não é quem pensa ser na vida dele, ou seja, a única. É proibido, também, dizer “não, hoje não estou a fim”. É proibido telefonar para saber como ele está: interpretamos isso como perseguição ou tentativa de controlar-nos. Enfim, é um crime não ser uma deusa e ter sentimentos imperfeitos. Somente a eles pode ser dado o direito da imperfeição. E assim, como ser feliz? Onde encontrar o néctar da paz em ser amada e plenamente desejada? Indo sem medo. Se entregando com fé. Nunca desistindo porque ser desejada é melhor que ser sozinha. Incansavelmente descartar e recomeçar são melhores que insistir e não morrer. Mesmo que a fama cresça, mas a esperança não diminua. É a necessidade de ser procurada que explica todos os defeitos. Não importa mais o que falam, o choro hidrata, cicatriza e rejuvenesce o triste e profundo olhar. Entre o tesão e o nojo, mais descobertas. Entre as descobertas mais oportunidades. Entre as revelações muita dor e prazer. Maquiagem para disfarçar as marcas da guerra contra o tempo. Entre o amor e o ódio, é melhor tentar de tudo a se entregar para solidão.