Da flor ao Chorume retrata meu lado literário e retrógrado pela confusa intenção de se autojustificar, traduzindo e condensando minhas opiniões filosóficas e comportamentais a fortes palavras de fúria e de alucinação. Deve ser triste demais precisar e não ter ninguém com quem contar. Entre o passado e o futuro há o presente. Entre o chorume e a flor, uma esperança.
20 de abril de 2017
A Última Lágrima
Nas primeiras vezes fazemos escândalo, quando a mãe nos convida para almoçar e atravessamos a cidade para isso, mas ao chegar encontrar nada, ao chegar ter que comprar, ter que fazer ou comer o que foi feito as pressas. Nas primeiras vezes nos arrependemos, quando o amigo nos abandona bêbado, com toda a conta para pagar, com todo o ardor de voltar sozinho, com todo o álcool exalando na pele e a sensação de ter sido roubado. Nas primeiras vezes desanimamos, quando lembramos dos aniversários, quando organizamos a festa, quando nos dispomos a preparar o evento e no final também somos os que arrumamos toda a bagunça que surgiu, limpamos toda a sujeira que ficou, retocamos a pintura que manchou, secamos o chão ensopado, trocamos as luzes quebradas, consertamos os vidros rachados, comemoramos sozinhos um silencioso amanhecer. Nas primeiras vezes refletimos muito se seria verdade, quando nosso parceiro íntimo de trabalho de repente começa se ausentar, te sobrecarregando de serviços e depois você ser taxado de cagueta por denunciar o sofrimento. Nas primeiras vezes nos culpamos, quando o chefe no trabalho reclama da nossa produtividade, mas não se importa se talvez moramos a duas horas de distância do trabalho e o transporte não ajuda, se não temos roupas de frio e a temperatura não ajuda, se não temos um ótimo batom porque o salário não ajuda, se não recebemos vale já que a comida não ajuda, se já nos sentimos um lixo, ainda vem com as ameaças para "melhorar", esquecem do nosso sofrimento porque acreditam que ele pode ser pago a um valor mínimo, mas padrão. Nas primeiras vezes aceitamos a dúvida no lugar da confiança, quando o amigo nos convida para sua festa e levamos nossa companhia, mas durante a noite, lúcidos ou não, inúmeras vezes flagramos a acidiosa infidelidade nos distanciar. E como não comentar os encontros com os amigos, quando somos os primeiros e os únicos a chegar, pois para alguns ficar em silêncio é melhor do que admitir o fracasso. E como não comentar sobre aquele dinheiro, sagrado dinheiro que foi a muito tempo emprestado para alguém tão querido, e só por ser querido nunca mais nos devolveu. E como não comentar sobre aquela pessoa extrovertida, que se aproximou da nossa companhia e percebíamos que era faixada para persuadir, corrompendo à força nossa sexualidade. E como não comentar todas as promessas furadas, toda a saudade esquecida, todo o orgulho ferido, todos os arrependimentos em vão. Só assim é que juramos ser a última vez. Pagaremos a conta pela última vez. Aceitaremos o convite pela última vez. Beijaremos a boca pela última vez. Para o outro, organizaremos nossa agenda pela última vez. Pegaremos nas mãos pela última vez. Olharemos nos olhos pela última vez. A última vez que faremos nosso trabalho correto. A última vez que confiaremos nos outros. A última vez que gastaremos com alguém. A última vez que faremos algo que não seja por nós mesmos. Trata-se da hora em que já não pensamos em mais nenhuma saída. Será sempre a última vez. Até a última vez que respirarmos, sem a menor possibilidade de por desgosto chorar.