Estava tudo tão calmo. Era um dia normal. Nada indicava chuva, nada demonstrava eventualidades como calor intenso ou ventos fortes. A época de frio estava distante e o ambiente por ser tropical a possibilidade de nevar era remota. A possibilidade de tremer era improvável. O clima estável naturalmente comunicava a todos seu espírito de paz. O Reino subterrâneo, influenciado pelos hormônios de sua líder, funcionava de forma estreitamente organizada. Um quartel-general e uma excelente torre de vigia cuidavam da segurança do local. Soltados, machos, operários, escravos, jardineiros e escavadores se dividiam em castas, cruzavam-se pelos labirintos de cuspe, se alimentando nos jardins de fungos e assim sobreviviam equilibradamente. Mas um castigo do nada caiu. Tudo de repente se estremeceu e o que era lindo se desmoronou. Uma obra complicada, que exigiu muito trabalho, desaba em suas próprias cabeças, matando centenas de criaturas honradas, que agora afundam nas ruínas do próprio sucesso. Eram pequenos e inofensivos seres vivos em seu mundo modesto, pouco a pouco procriavam, se desenvolviam e com extrema cautela exploravam cada vez mais o infinito daquele quintal. O solo era fértil, o chão era árido, granulado, infestado por outras criaturas famintas, predadoras, amedrontadas, talvez sem entender bem quem são, de onde vieram e para onde vão. Somente caminham a procura ou a serem procurados. Os instintos falham bem como nossa criatividade. Frente ao desespero, as intensões são boas. Como adivinhar a forma, a data, a hora de uma tragédia? Como prever nossas desgraças, desgraças impostas, fortuitas a nossa vontade. Como escapar daquela pedra enorme rolando em sua direção e ao conseguir, ver por entre os escombros ossos partidos e gosma escorrendo. São vários gemidos de dor, pedidos de socorro, súplicas por um fim da devassidão. Era impossível deles lá de cima ouvirem. Gigantes e travessos, corriam pela grama esmagando um universo. Incapazes de perceber o massacre, incapazes de escutar os gritos, incapazes de sentirem o sofrimento. Corpos sendo destroçados, outros arremessados para longas distâncias, sem pudor, sem clemência, sem empatia. A ingênua crueldade parecia não ter fim. Os passos eram contínuos, um pesadelo que não terminava. Magnitude incomensurável, barbaridade desproporcional, impossível de se conceber. Quando a força parou, restava apenas jogar os mortos num aterro, reconstruir o lar e voltar a viver se apoiando em esperanças.