20 de abril de 2017

Luz

      Levei quase três anos para apagar todas as nossas conversas. Levei quase três anos para excluir seu contato da minha agenda. Levei tempo demais para deixar de pensar em formas e oportunidades de te ver ao invés de aceitar que o fim não vinha só da suas palavras bruscas, mas dos caminhos por você trilhados muito antes deu finalmente me tocar. Como pude permanecer caído por tanto tempo assim no meu próprio engano, na própria ilusão que criei a respeito das vontades de um corpo que não era o meu. Como pude somente agora me envergonhar das ligações inoportunas em plena madrugada. Como pude achar que tinha esse direito longe de ser formidável, mas completamente inconveniente. Como pude me convencer de que só por que eu sentia falta ela também deveria sentir. Que talvez só me respondesse por carinho e consentimento. Acho que não foram erros, não foram fraquezas, não foram recaídas, é provável que na verdade eu estivesse doente, preso num quarto escuro, imaginando ela também dentro sempre disponível. Que grande absurdo no amor irmos tantas vezes trás de quem nunca mais nos procurou. Que absurdo no amor se convencer de que pelo menos o sexo é garantido com quem já se indispôs bem antes da gente se quer cogitar. Que absurdo achar que insistir é o segredo do sucesso, que a boa lábia é a chave do castelo. A mulher não tem fechadura, ou ela abre por você merecer ou você arromba por ser um patife. A mulher é quem te convida, quem te da o sinal de agir, é também a que quando diz que acabou, acabou. Tudo bem de que sentirá saudade, tudo bem de que irá gostar do reencontro, tudo bem de que irá esperar por um contato, mas não significa que a vida não tenha seguido. O nosso desespero por descobrir que ela transou com outro é o fim da nossa própria capacidade de ser criativo, de ser independente, de ser livre. Se amargurar por saber que outro come uma boceta que antes só você comia, mas depois da separação o que parecia seu nunca foi. Deu para você por que quis, não por que você foi persistente: pré-requisito muito específico, às vezes deselegante. Deu para você porque você era o que tinha, era o melhor ali no momento, o que não impede ou nunca a impediu de desejar diferenciar, esquecer, variar, principalmente depois de ter premeditado o fim, principalmente depois de ter deixado claro o rompimento. Por mais agoniante que pareça, o descaso e a falta de questão nunca deveriam ser os motivos da nossa loucura, mas sim da nossa vitória. Perceber que não somos mais a prioridade do prazer é acender o abajur em meio a escuridão. Reconhecer que o passado existe mas apodrece é encontrar os óculos depois da luz. O amor é alucinante, mas nada melhor que as janelas todas abertas.