20 de abril de 2017

Todo Sentido

       Andando pela rua, um senhor, cego de um olho, passou de pressa ao meu lado montado numa bicicleta. Eu o percebi diretamente pelo lado em que ele não poderia me ver. Desviou-se de mim na velocidade, miserável feliz, e no segundo poste parou e disse: olá! Era para duas mulheres em situação de rua, provavelmente suas amigas. Resmungou da falta de água no córrego que costumava se banhar. Uma delas, sentada ao lado, indagou se a novidade era real, pois assim trataria de pensar numa alternativa, provavelmente lastimosa. As duas se debruçaram na questão, na tentativa de fugir do mau cheiro, dividiram o problema com a amizade. Foi ai que me olharam passar, talvez pensando por estimulo em pedir dinheiro, ou comida, talvez esperando um milagre, que não fosse meu: cair da moto do menino entregador de pão. Elas correram como quem já não comia há dias, servido o almoço, quente e na mesa. O menino parou logo mais a diante e avaliou o prejuízo, as ofendendo de mazelentas esfomeadas. Não é a primeira vez que o vejo vacilar na curva com a comida. Pilota de chinelo e com a segurança do veículo irregular. Já entregou pão a um vizinho do meu quintal. Esse, que trabalha vendendo milho cozido com manteiga em frente à estação, nunca o vi tirar folga. Todas as vezes que me vê reclama do teto úmido do seu quarto; penso se é o melhor que ele pode fazer. Por que temos dois olhos?