Entendo agora perfeitamente por que alguns amigos se afastam da gente mesmo quando insistimos em evitar o abandono. O que custei entender eram casos em que de repente, quando já estávamos convencidos do esquecimento, a pessoa reaparecia em meio a névoa sorridente, assim, como se nada tivesse acontecido. Mas também foi possível somente agora assimilar boas razões que justificassem o que na maioria das vezes enxergamos como uma atitude falsa. Não, essa incoerência é só mais uma faceta da nossa vontade. Como quando comemos muito daquele prato favorito de tal forma que uma hora essa mesma refeição se torna repugnante. Como quando transamos demais com aquele corpo gostoso até não ser mais excitante, não ter cheiro, não ter sabor, tornando-se objeto. Como aquele filme que alcançou ser o melhor entre todos, mas impossível revelo novamente tão cedo. Como exatamente aquele perfume especial, encantador, indescritível, e de tanto usufruir, e de tanto tomar, e de tanto tingir, enfeitar e convencer o pescoço, torcer os olhares, criar palavras e encerrar noites, o cheiro agora só provoca náusea, estimulando fortes dores de cabeça. Rever algumas amizades às vezes é tão estranho como rever antigos amores, ora parecerá sublime, ora parecerá nojento. É quando a amizade se transforma em relacionamento, exigindo em algum momento tempo, silêncio, distância. Por mais que se tenha ingerido com exagero, a comida que era favorita um dia voltará a ser experimentada. Por mais que se tenha feito sexo por anos com a mesma pessoa, uma hora o desejo há de voltar, dependendo até mais forte e veemente. Vale para o perfume, que às vezes resiste próximo ao nosso espelho, preservando sua essência, quieto, aguardando a sua hora. Nossa melhor amizade só partiu por que enjoou do que fomos, aproveitou tanto do que oferecíamos até que ficamos fracos, até que ficamos pouco, até que ficamos frio, até que ficamos seco, até que ficamos simples, até que ficamos iguais, chatos e repetitivos e por isso somos deixados. Deixados como deixamos nossos antigos amores por muitos e vários motivos, nem sempre possíveis de serem explicados, já que dizer que só não comemos ou usamos mais algo por que cansamos do mesmo, não é tão simples quando no lugar da comida ou do objeto é alguém. Somos a tatuagem que demanda retoque. Somos a roupa mofada e fora de moda no fundo no armário. Somos um álbum de fotografias na memória, revisto, quando nunca, por acidente. Somos a joia antiga dada pelos avós, sem brilho, no escuro, mas em segurança na caixinha. Somos aquele lindo sapado guardado, no meio da pilha, a ser sorteado pelos dados da saudade. Éramos tolos porque contávamos com a sorte. Somos a lembrança e isso é o que mais importa. Se você também entendeu, agora dance, só dance.