20 de abril de 2017

Lado de Trás

    As pessoas vão adiando a hora de contar a verdade. Se apaixonam e terminam prisioneiras do seu próprio papel. O outro que também se apaixona, agora não sabe exatamente por quem se apaixonou. Somos compelidos a tentar provar que tudo o que fizemos, independente de ter sido farsa, foi resultado da soma de nossas partes. As justificativas são inúmeras para confundir ou para orientar, carro desembestado descendo ladeira a baixo. Como saber se não estão se aproveitando da nossa paixão outra vez? E mesmo quando descobrir, como rejeitar que por amor se faz de tudo? Perdoar ou não pelas mentiras, perdoar ou não pelas irresponsabilidades, perdoar ou não pelo esforço... É cair no conto do vigário ao ter o amor roubado na curva da alegria e pensar se aceita de volta do ladrão arrependido os cacos da realidade. As provas, as promessas e os lamentos formam vitaminas de ilusão para os momentos frágeis de separar o impossível. Separar o que se vê do que se sente, separar o que se pensa do que se diz. Difícil saber onde acaba e onde começa a representação do sentimento. Na real, nem mesmo nós sabemos quando estamos tristes de verdade, parece que é preciso uma hora ou outra ir se ver chorar em frente ao espelho para tomar consciência do sofrimento, ao mesmo tempo espectador da própria dor de sentir. O lado de trás do espelho é bem mais convincente. Respira aliviado não quem se arrependeu ou quem perdoou, mas quem entendeu todos os motivos.