20 de abril de 2017

Calabouço da Esperança

    Eu tentei. Fiz o que não deveria, revi meus conceitos, voltei, recomecei e agora estou aqui. Eu pedi desculpas, várias e derradeiras vezes não tive medo da vergonha mal encarada. A luz se apagou, mas não desisti de andar no escuro. O ar era pouco, mas não cai por respirar devagar. Falaram de mim, mas não me importei com o excesso de intimidade. Segui e sigo, apesar da violência eu mantenho o sorriso espontâneo, o humor repentino, a amizade sincera. Apesar do medo eu continuo convicto. Apesar das críticas eu não me ofendo. Apesar da solidão, improviso, não paro na mesmice de sofrer, quando a condenação natural sempre foi essa. Já é chato chora, já é chato correr, já é chato gritar, já é chato grunhir. Não há o que fazer, nem sobre o que pensar. São apenas dias normais, paredes iguais, pessoas ausentes. Mas apesar da realidade, eu não me abalo. Apesar das quedas, não permaneço no chão. Apesar da morte, vivo nas palavras. Não interessa se é ficção, não interessa se é demasia, apesar do esforço em subir, encontro-me cada vez mais lá no fundo. Apesar da esperança, estou cada vez ficando longe, cada vez regredindo mais magro, cada vez me tornando mais frio, cada vez me deitando mais triste, cada vez vivendo mais consciente Essa lucidez é entediante demais. Como dentro de um buraco, todos os dias é olhar para o mesmo muro. A carne é sempre carne, o corpo é sempre corpo, o mesmo gosto, o mesmo cheiro, os mesmos lábios, os mesmos olhos e as mesmas frases. Do outro lado da rua o mesmo bar, na frente os mesmos lanches, a pressa, permeada no tempo, escorre na pele sebosa do coitado sonhador. Quanto desespero e desgosto. Quanta verdade diária e inesgotável. Quanto amor desgraçado, que rendem boas histórias, mas nunca um final diferente.