Dizem que família é em primeiro lugar e quando discordamos somos na maioria das vezes julgados como ingratos. Somos ameaçados em relação ao destino por mal dizer aqueles que um dia fizeram parte da nossa criação. As tragédias, os acidentes, as doenças e a velhice são os parâmetros da ponderação, do remorso, da culpa, do pânico que temos em detrimento a não consideração e ao desafeto familiar. Dizem que família é a certeza do cuidado, do resgate, do socorro. Dizem que deveríamos respeitar mais aquele que prezou por nós, valorizar quem nos viu nascer e crescer, é quem nos alimentou e quem nos alimentaria quando estivéssemos sozinhos e não mais conseguíssemos. Parece que o entendimento de família se resume na importância que seu papel "salvador" detém quanto aos momentos sorrateiros, que por sermos de sangue seremos sempre resgatados. Parece que família deve ser glorificada não tão diferente como glorificamos nossos deuses, já que estamos sempre sujeitos aos perigos que sozinhos jamais poderíamos superar. A família carrega essa esperança de guarda e acolhimento quando ninguém mais poderia oferecer. Mas é possível discordarmos. Mas é possível se emocionar com o que nem todos enxergam e assim entender que o significado de família é amplo demais para ser definido como algo tão genérico: família não é tudo. Não preciso ser parte da família de alguém para me preocupar com seu estado de saúde. Mesmo no leito de uma enfermaria, sem a supervisão de um familiar; mesmo ferido; mesmo doente; mesmo inválido, se a família lá não estiver alguém estará. O toque mais gentil do parente mais querido não é só quando o sangue jorra, mas principalmente no momento em que a lágrima cai. Não adianta alguém chorar sobre nosso corpo machucado, quando várias vezes nossa emoção sofreu e ninguém viu. Não adianta querer ajudar quando a notícia se espalhou, quando a desgraça aconteceu, quando os resultados estão prontos, quando o laudo foi feito, quando o prognóstico foi dado, quando estiver na maca uma prancheta informando o estado do paciente, quando as máquinas monitorarem o coração, quando os olhos já não abrirem, quando a boca não conseguir mais explicar. O toque gentil da família não existe quando for sempre nas salas de um hospital ou incapacitado na cama de um quarto. Quando no dia a dia somos abandonados na mesa do café. Quando no dia a dia somos esquecidos nos momentos mais sensíveis, mas cogitados nos horários dos bares e encontros anuais. Quando no dia a dia não reparam nosso esforço, não perdoam nossas falhas, não toleram nossa companhia, não apagam velhas mágoas, não esquecem antigos ressentimentos, não respeitam nossa privacidade, a troco de criticar até ofender. O toque mais gentil da família seria não ser apenas família, mas também melhores amigos.